O anúncio de que Anthony Kennedy irá deixar o Supremo Tribunal a 31 de julho caiu que nem uma bomba entre os progressistas dos Estados Unidos. O juiz, um conservador tradicional nomeado por Ronald Reagan em 1988, tem servido muitas vezes como fiel da balança entre conservadores e liberais em votações renhidas que terminam 5-4 a favor de um dos lados.
O Presidente Donald Trump e os seus apoiantes veem na sua substituição por um conservador de linha dura a oportunidade que esperavam para fazer pender a balança do Supremo para o lado da direita, o que num país onde a jurisprudência faz lei é um passo importante para inverter alguns dos avanços progressistas das últimas décadas, com o aborto e o casamento gay entre as prioridades da agenda conservadora radical.
Apesar de elogiado por Trump, o juiz Kennedy é alvo de críticas ferozes de muitos dos apoiantes do Presidente – James Dobson, fundador da Focus on the Family, chamou-lhe um dia «o homem mais perigoso da América». Nunca lhe perdoaram que votasse a favor do acesso ao aborto, na limitação da pena de morte e na expansão dos direitos dos homossexuais.
Agora, ao fim de um ano e meio na Casa Branca, Trump vai poder nomear o segundo juiz para a mais alta instância judicial do país, depois de em abril do ano passado ter conseguido fazer passar o nome de Neil Gorsuch. Algo só alcançado pelo facto de a maioria republicana no congresso ter conseguido durante oito meses travar a nomeação feita por Barack Obama.
Na definição de Chuck Schumer, líder democrata noSenado, «esta é a mais importante vaga no Supremo Tribunal numa geração», porque não se trata apenas de escolher um homem para ocupar o lugar de outro, mas direitos e valores fundamentais.
A administração Trump vai tentar acelerar o processo para que a nomeação consiga ser alcançada antes das eleições intercalares de novembro que podem mudar o equilíbrio atual de forças na Câmara dos Representantes e do Senado, onde o Partido Republicano tem atualmente maioria.A mesma maioria que teve êxito a travar a escolha de Obama. Os Democratas vão tentar colocar os maiores obstáculos possíveis até novembro, mas já nem sequer a figura do filibuster (manobra dilatória em que um senador pode tomar a palavra e falar sobre qualquer tema durante o tempo que desejar) tem o poder que tinha antes, pois agora pode ser travada por uma maioria simples de senadores, quando antes eram precisos três quintos.
Como referia esta semana Renato Mariotti, antigo procurador federal, citado pelo Guardian, «a não ser que os democratas consigam conquistar de volta o Senado, o que é improvável, Trump conseguirá escolher um juiz que vote e derrube a Roe» versus Wade, a sentença que desde 1973 é interpretada como base para a despenalização do aborto nos Estados Unidos.
«Temos de escolher um grande. Temos de escolher um que vá lá estar por 40 ou 45 anos… Precisamos de intelecto. Precisamos de tantas coisas», disse o Presidente. Trump tem uma lista de 25 candidatos elaborada pelos seus assessores, mas apenas alguns dos nomes estão mesmo a ser considerados, sendo que os juízes Brett Kavanaugh, de Washington DC, e Raymond Kethledge, do Tribunal de Recurso do 6.º Distrito, estão entre os favoritos. Trump quer ter uma escolha até dia 10 de julho, antes da sua viagem à Europa para a cimeira da NATO, a visita o Reino Unido e o encontro com o Presidente russo, Vladimir Putin, em Helsínquia.