Segundo uma das teorias de Adnan Oktar, foi o aparelho de Governo do Reino Unido que promoveu a ascensão ao poder de Adolf Hitler. Segundo outra teoria de Adnan Oktar, que assina os seus livros com o pseudónimo Harun Yahya, Cristo regressará como muçulmano, quebrará a cruz e matará os porcos. Este guru islâmico, televangelista turco com canal próprio de televisão (A9), onde passa horas e horas a falar, sobretudo sobre o seu tema favorito, o criacionismo, soube namorar o poder (os encómios ao homem forte do país, Recep Tayyip Erdogan, são mais que muitos) e ganhar popularidade. Para muitas das suas intervenções recorre a fósseis que o ajudam, de acordo com a sua teoria, a explicar porque Darwin estava completamente errado e que os animais e os vegetais foram criados por iniciativa divina e vivem imutáveis desde então.
Oktar é um grande defensor do diálogo inter-religioso, sobretudo com o judaísmo, e do amor: «O amor é a razão para a criação do mundo. Sem o amor, a política não faz sentido. A vida também não faz sentido. Deus criou o amor como propósito deste mundo.»
Aos 62 anos, o pregador televisivo não surgiu agora nos meios de comunicação turcos, mas desde o ano passado a incorporação de um rebanho de mulheres vistosas, carregadas de maquilhagem, roupa diminuta e muitas curvas, a quem chama de ‘gatinhas’ e que o tratam por ‘mestre’, veio atrair mais atenção para as suas prédicas.
As gatinhas assistem aos programas do mestre acenando aqui e ali em concordância e algumas têm os seus próprios programas em defesa do criacionismo. São uma versão humana de Barbies turcas, excessivas e usadas como uma espécie de decoração viva no meio de todo o barroquismo dos cenários. No site oficial há uma coleção de fotografias do jantar de fim de ano do mestre e das gatinhas que parece uma produção para uma qualquer Hola! turca de um Peter Greenaway das Mil e Uma Noites.
Oktar Babuna, médico e há muito tempo colaborador de Oktar, dizia, numa reportagem da PR, que as mulheres juntaram-se às emissões da A9 para contrariar a ideia criada pelos radicais islâmicos de que o Corão defende o esconder das mulheres da vida pública. «No verdadeiro Islão, isso não existe. Se olhar para o Corão vê que as mulheres, como diz Alá, são flores. São a beleza deste mundo.»
As gatinhas valeram novos cognomes a Oktar e o estatuto de «mais conhecido líder de um culto sexual da Turquia» (que lhe foi dado pela Direção para os Assuntos Religiosos) atraíram a atenção da imprensa internacional. Mas as dezenas de livros que escreveu, os numerosos artigos, as entrevistas para diferentes canais influentes do Médio Oriente, os muitos sites dedicados aos seus ensinamentos já lhe haviam granjeado fama e influência na região.
Admirador de Erdogan (à sombra do qual foi aumentando a sua fama), elogia o líder turco, que no domingo passado consolidou a personalização do poder que paulatinamente vem levando a cabo desde que o seu partido ganhou as eleições há quase 17 anos. O maior exemplo dessa relação próxima entre o televangelista e o presidente aconteceu na altura da tentativa de golpe de Estado de 15 de julho de 2016, em que Oktar usou o seu canal de televisão para apelar à resistência contra os golpistas: «Eu sempre o defendi, arriscando a minha vida. Sempre. Nunca lhe mostrei outra coisa que não fosse o meu apoio total», referiu numa das entrevistas ao seu próprio canal. «Eu adoro Erdogan de alma e coração. É um homem honesto. Demonstrei-lhe o meu apoio inabalável desde o princípio. E nunca falarei ou deixarei que falem mal dele. Sou muito estrito em relação a este assunto e ele é uma pessoa que defendo escrupulosamente. Sou capaz de defendê-lo com a minha própria vida. Aqueles que me conhecem sabem que é verdade.»
Talvez seja por esse amor incondicional ao presidente turco que a sua visão heterodoxa do Islão provoque menos celeuma do que poderia provocar, tendo em conta a quantidade de roupa que as gatinhas levam vestidas. Mais do que um imã, Oktar comporta-se como uma celebridade de revistas cor-de-rosa, adepto de excessos de decoração nos ambientes e de maquilhagem nas mulheres que o acompanham. Há quem diga, no entanto, que a relação próxima que mantinha com Erdogan se diluiu um pouco com a emergência das gatinhas. Compreende-se, a austeridade de comportamento de Erdogan e a sua visão conservadora da sociedade, e do papel da mulher, não se coaduna com o harém do televangenlista do canal A9. Um homem que predica o Islão enquanto uma moça menos composta de trajes dança à sua frente está longe de ser a ideia islâmica defendida pelo presidente turco e o seu Governo.
Mesmo assim, o Presidente turco sabe que Oktar é um indefetível e a sua influência não pode ser menosprezada. Não há lugar para fotografias conjuntas, mas há um acordo tácito para o televangelista continuar a pregar por entre os dourados, os excessos e o seu harém de seguidoras indefetíveis, desde que continue a manter a sua fervorosa lealdade ao chefe de Estado.
Uma relação que não se quebra mesmo tendo em conta as prédicas de Oktar favoráveis à religião judaica e a sua boa relação com ministros israelitas (os seus livros chegaram ao primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, como o próprio guru do Islão se encarregou de mostrar na sua conta do Twitter). Enquanto Erdogan se encrespa com o Executivo israelita e discursa contra o inimigo sionista, Oktar prega que «os povos cristãos e judeus amam Alá. O todo-poderoso Alá confiou-nos a nós. E nós confiamos neles. Isso porque somos todos amigos de Alá. Vamos todos abordá-lo com amor e compaixão.»
Para o guru, «os defensores da paz», como ele, aqueles que «propõem o amor», devem ser «mais determinados», com uma «vontade mais forte», para conseguir pregar uma palavra que pode não ser tão bem compreendida. E a sua visão da religião judaica é tudo menos popular no mundo islâmico de hoje. «Aqueles que advogam a violência estão a matar muçulmanos e estão a matar cristãos, e matam judeus também; são inimigos de todos. Alá não considera essas pessoas muçulmanas. São idólatras», garante.
Oktar vai buscar ensinamentos a um Islão de tolerância, de partilha, de harmonia entre religiões. Defendendo a interculturalidade e a abolição das restrições, nomeadamente as de acesso e controlo da internet: «Deixem as pessoas viver como quiserem, como desejarem. Não deve haver interferência na internet, no Facebook ou no Skype. As ideias e a religião das pessoas não devem ser dificultadas. Que toda a gente seja livre. A religião irá prosperar mais facilmente em tal ambiente.»
As suas palavras mais duras e adjetivos mais infernais ficam reservados para Darwin e a sua teoria evolucionista que Oktar combate dia sim, dia sim. Há uma década chegou a oferecer recompensas a quem apresentasse um fóssil que provasse a teoria da evolução. Escreveu mesmo um livro de 786 páginas, que ofereceu a Erdogan (e a outros políticos) e enviou para cientistas, universidades e bibliotecas nos Estados Unidos, a que chamou The Atlas of Creation, onde refuta a teoria darwinista. Ao Guardian, dizia em 2008, «quase 100 milhões de fósseis foram desenterrados. Todos eles mostram que plantas, animais, humanos e insetos não passaram por qualquer evolução e foram criados da mesma forma por Deus. Podemos vir isto como um facto em cada fóssil que analisamos. Não há nenhum fóssil que prove o contrário. Darei uma recompensa de 10 biliões de liras turcas [1,8 biliões de euros ao câmbio de hoje] a quem me mostrar um que seja».