A família Trudeau do Canadá pode ser comparada com os Kennedy dos Estados Unidos: liberais, carismáticos, comprometidos com o seu país e abalados pela tragédia.
É pouco provável encontrar um canadiano que não esteja familiarizado com os Trudeau – de tal forma que há quem fale numa certa ‘trudeuamania’. O movimento começou com Pierre Trudeau, um dos primeiros-ministros mais populares e o que esteve mais tempo no poder na história do país. Em 2015, o filho mais velho de Pierre, Justin Trudeau, deu continuidade ao legado, ao ser eleito primeiro-ministro.
Comecemos pelo pai. Pierre Trudeau nasceu em 1919 numa família rica, bilingue – a mãe era de origem escocesa e o pai era puro quebequense – e católica. Em suma, uma elite. Passou por universidades como Harvard e a Sorbonne, tornando-se advogado e professor de Direito.
Acabou por entrar tarde na política, no Partido Liberal do Canadá, aos 47 anos. Dois anos depois, foi nomeado ministro da Justiça pelo então primeiro-ministro, Lester Pearson. Fez reformas «à frente para o seu tempo», em questões como o aborto e o divórcio. A que mais impressionou e surpreendeu a opinião pública foi a despenalização da homossexualidade.
A «trudeaumania» começou em feveiro de 1968, quando Pierre anunciou a sua candidatura a primeiro-ministro, sucedendo a Pearson. O seu carisma e o facto de conseguir discursar nas duas línguas tiveram um grande impacto. Ficou conhecido como um «génio sexy», que queria uma sociedade justa.
Enquanto líder partidário e chefe do Governo, em abril de 1968, Pierre Trudeau decide convocar eleições antecipadas e obtém a primeira maioria absoluta para os liberais desde 1953.
Contudo, a popularidade não durou para sempre. Com as dificuldades criadas pelo choque petrolífero de 1973 e pelo crescente desemprego, Pierre perdeu apoiantes. A gota de água foi o duro programa de austeridade que impôs em 1975.
Nas eleições de 1979, acaba por perder para os conservadores, mas o Governo cai rapidamente e Pierre Trudeau volta com uma maioria triunfante em fevereiro de 1980. Em 1984, termina a carreira política. Volta à advocacia e continua a batalha constitucional pelo reconhecimento do Quebeque «como sociedade distinta», causa pela qual lutou ao longo de toda a sua passagem pela política.
Pierre era também conhecido pela sua agitada vida amorosa. Em 1971, casou – para desgosto das fãs – com uma atriz e apresentadora de televisão quase 30 anos mais nova, Margaret Sinclair. O casamento acabou mais tarde, mas resultou em três filhos: Justin, o atual primeiro-ministro canadiano, Alexandre e Michel. A tragédia assolou a família Trudeau quando o segundo filho do casal, Alexandre, morreu vítima de uma avalanche.
Pierre Trudeau morreu em 2000 com um cancro na próstata. Recusou o tratamento para a doença quando o médico lhe disse que tinha também um princípio de demência. O político canadiano preferiu morrer de cancro a viver e perder a lucidez.
De instrutor de snowboard a primeiro-ministro
Foi precisamente no funeral do pai que Justin Trudeau discursou publicamente pela primeira vez, ao fazer uma intervenção emotiva que foi seguida por milhões de pessoas através da televisão. «Sabíamos que éramos as crianças mais sortudas do mundo. E não tínhamos feito nada para o merecer. Era algo que teríamos de passar o resto da vida a trabalhar para lhe fazer jus», disse no elogio fúnebre.
A cerimónia realizou-se na basílica de Notre-Dame de Montreal, a mesma onde Justin foi batizado em 1972. Estavam presentes o então líder cubano, Fidel Castro, e o ex-presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, entre outras personalidades, o que demonstra o estatuto e popularidade de Pierre Trudeau.
O discurso e as imagens de Justin Trudeau – na altura com 29 anos – abraçado a Fidel Castro em lágrimas suscitaram uma reação muito positiva nos canadianos, o que fez crescer a popularidade do filho de Pierre. Esse dia é interpretado por muitos como o momento em que se percebeu que Justin Trudeau tinha carisma para seguir as pisadas do pai no mundo da política.
Contudo, Justin Trudeau nem sempre demonstrou uma inclinação para a vida política. Justin nasceu em Otava, num dia de Natal, a 25 de dezembro de 1971. Como filho do então chefe do Governo, praticamente nasceu e cresceu na residência oficial do primeiro-ministro canadiano, de onde saía todas as manhãs para apanhar o autocarro para a escola pública onde estudava.
«Os meus pais sempre me ensinaram que, embora tivesse alguns privilégios, nada disso me fazia melhor que as outras pessoas», disse ao The New York Times. Garantiu também que o pai o ensinou, a ele e aos seus dois irmãos, a conhecer o homem por trás do cargo: «Explicava-me que, para além da responsabilidade de cada um, uma pessoa é só uma pessoa».
O divórcio dos pais, em 1977, marcou a infância de Justin. A par da morte do irmão, a separação de Pierre e Margaret transformou-se numa das suas piores memórias.
Durante muito tempo, Justin Trudeau manteve-se afastado dos holofotes. Estudou literatura inglesa e francesa na Universidae McGill, em Montreal, trabalhou como instrutor de snowboard, foi segurança de uma discoteca e entrou num telefilme sobre a I Guerra Mundial, chamado The Great War, no qual interpreta um herói quebequense. Isto tudo antes de se tornar professor do Ensino Superior em Vancouver.
Estreou-se no ativismo em 2002, exatamente na altura da morte do irmão, criticando o Governo da Colúmbia Britânica por ter cortado o financiamento no sistema de alerta de avalanches.
Em 2005, casou com uma amiga de infância, a antiga modelo e apresentadora de televisão, Sophie Grégoire, com quem teve três filhos: Xavier James, Ella-Grace Margaret e Hadrien.
A profecia de Richard Nixon
Segundo o El País, quando Justin tinha apenas quatro meses, Richard Nixon, antigo presidente dos Estados Unidos, brindou «ao futuro primeiro-ministro do Canadá». Contudo, durante muito tempo essa profecia parecia muito longe de se concretizar. Até que Justin Trudeau entrou no mundo da política.
Em 2008, foi eleito para o Parlamento canadiano. Na campanha, para provar que, apesar do apelido, tinha valor, dizem os críticos, Justin Trudeau decidiu começar em Papineau, um conflituoso bairro popular de Montreal e uma das zonas eleitorais mais difíceis do país.
Quando, em março de 2012, subiu ao ringue para um combate de boxe solidário contra o senador conservador Patrick Brazeau, poucos apostavam na vitória do deputado liberal. Afinal, o adversário, mesmo mais baixo, era cinturão negro de karaté. Mas Justin, que treinara soco a soco durante meses, venceu-o por KO. Nesse dia, os canadianos descobriram a determinação e empenho do filho de Pierre Trudeau.
Acabou por se tornar líder do Partido Liberal, em 2013, com 80% dos votos dos militantes. Dois anos depois, derrotou o conservador Stephen Harper e Tom Mulcair, do Novo Partido Democrata (NDP) e foi eleito primeiro-ministro do Canadá, seguindo as pisadas do pai e provando que Richard Nixon tinha razão. Obteve uma vitória estrondosa (com maioria absoluta) e inesperada para os liberais.
Para isso, muito contribuiu a sua campanha positiva. Aos ataques pessoais dos conservadores – cujos anúncios criticavam a sua falta de experiência, antes de acrescentarem que, pelo menos, tinha «um cabelo bonito» -, Justin respondeu com ataques às políticas dos adversários. Uma filosofia que diz ter aprendido com o pai. No famoso discurso no funeral de Pierre, o atual primeiro-ministro do Canadá contou que, quando tinha oito anos e fez uma piada sobre um adversário do pai, este lhe disse: «Justin, nunca ataques o indivíduo. Podemos discordar de uma pessoa sem ter de a denegrir».
De Pierre Trudeau, Justin herdou essa consciência e a imagem de alguém à frente do seu tempo, que tinha preocupações, por exemplo, nos direitos da mulher, nomeadamente na questão do aborto. Além disso, têm em comum o facto de serem vistos como o político «jovem, atlético, sorridente», que consegue tornar a política canadiana «sexy». Se é verdade é que Justin beneficiou da «trudeaumania» que o pai gerou e conseguiu solidificar a imagem da família Trudeau como uma espécie de dinastia política do Canadá, também é verdade que os canadianos parecem confortáveis com isto: nas eleições de 2015 deram-lhe maioria absoluta.