Rédoine Faid. Fugir da prisão é uma moda com história

A primeira fuga prisional com helicóptero remonta a 1971, no México. Desde essa altura, aconteceram mais 46 fugas semelhantes por todo o mundo. Rédoine Faid, o gangster francês que se evadiu esta semana de uma prisão em Seine-et-Marne,  é mais um foragido numa longa história de evasões que às vezes corre mal. 

Poderia ser uma cena de Hollywoord, mas a verdade é que se passou na vida real. Rédoine Faid, um assaltante de bancos de 46 anos, fugiu no passado domingo da prisão de Seine-et-Marne, nos arredores de Paris, de helicóptero. Enquanto conversava calmamente com o seu irmão, dois homens, munidos de armas de assalto e bataclavas, entraram pela sala de visitas adentro, desarmaram os guardas, agarraram em Faid e dirigiram-se para uma porta que dava para o pátio exterior. Com uma rebarbadora conseguiram destruir a porta que os separava da liberdade. Aí, um helicóptero, pilotado por um instrutor de voo raptado pelo grupo e outro homem armado, esperava-os. No total, a missão de ‘resgate’ não demorou mais que uns poucos minutos. Quando aterraram em Gonesse, a alguns quilómetros de distância, um Renault Megane preto aguardava-os. Entraram na auto-estrada A1 e desapareceram do radar das autoridades. O carro, esse, viria a ser descoberto horas mais tarde, já destruído, em Aulnay-sous-Bois, um subúrbio de Paris. O instrutor, em estado de choque, foi deixado onde abandonaram o helicóptero. 

A «fuga espetacular», como a ministra da Justiça, Nicole Belloubet, lhe chamou, não tardou a encher os noticiários franceses e internacionais. «Foi extremamente bem preparada por uma unidade comando que poderá ter usado drones para  reconhecer antecipadamente a área», explicou a ministra. Faid era conhecido pelas suas proezas no mundo do crime – e esta fuga só veio aumentar a sua reputação. 

Nascido em 1972 numa família de imigrantes argelinos e marroquinos, Faid cresceu num problemático subúrbio de Paris. Nos anos 90, já com 25 anos, formou e liderou um gangue, que, entre pequenos furtos e disputas de bairros, evoluiu para assaltos e extorsão armada. Na sua juventude, como confessa na sua biografia, o francês inspirou-se na vida de Jacques Mesrine, declarado Inimigo Público nº 1 em França na década de 70 e cujos feitos espectaculares encheram as manchetes das capas dos jornais de todo o mundo. Sobre a arte dos assaltos, Faid escreveu na sua autobiografia, Assaltante – Dos Projetos ao Crime Organizado, escrita e publicada em 2009, que é um «autodidacta» do crime, baseando o seu estilo nos filmes de Michael Mann. A sua principal inspiração foi o filme Point Break. Num dos seus assaltos, Faid conduziu o seu gangue com máscaras de antigos presidentes franceses, entre os quais Charles de Gaulle e Valéry Giscard d’Estaing. Ao sair do banco, Faid, ainda mascarado, disse aos funcionários: «Obrigado por terem votado em mim». O francês e o seu grupo voltaram a fazer o mesmo durante um assalto a uma carrinha de valores, mas desta vez com máscaras de hockey, à semelhança do filme Heat.«Foste o meu conselheiro técnico», disse Faid a Mann num festival de cinema em Paris. 

A sua sorte e teatralidade pareciam ter acabado em 1998, quando a polícia lhe tomou o encalço depois de andar fugido pela Europa, além de ter passado uma temporada em Israel. Apanhado pela polícia, foi condenado a 30 anos de prisão, mas ficou em liberdade condicional depois de ter cumprido dez anos na prisão de Réau, na região de Seine-et-Marne. Ao sair, escreveu e publicou a sua autobriografia, onde conta o seu percurso e as suas inspirações, à semelhança de Mesrine, que também escreveu um livro autobiográfico: Instinto da Morte – Autobiografia de um fora-da-lei. No seu livro, Faid dá a entender que se tinha ‘endireitado’ e recusa a vida à margem da lei, mas nem pouco mais de um ano tinha passado quando foi novamente apanhado em flagrante delito ao tentar assaltar um banco, matando uma polícia. Voltou à prisão para cumprir uma pena de oito anos, mas em 2013 conseguiu fugir da prisão ao explodir com cinco portas, enquanto mantinha quatro guardas prisionais reféns. À sua espera estava um carro de fuga, mas foi capturado seis semanas depois. Em seu nome, tinha um mandado de prisão emitido pela Interpol e centenas de polícias franceses à sua procura. Foi considerado o Inimigo Público Número 1 de França, também à semelhança de Mesrine. Foi por pouco que não conseguiu arranjar um passaporte falso e fugir novamente para Israel. 

As ações de Faid dão uma ideia da pessoa que é, mas os relatos dos guardas prisionais que conviveram com ele contam outra história. Faid nunca entrava em conflito com os guardas nem com os outros presos, sendo sempre bem educado para com todos. «No canto da sua mente, ele nunca abandonou a ideia de escapar. Por detrás de todas as suas boas maneiras – ele é muito bem educado – sempre escondeu o seu jogo», disse o supervisor dos guarda à agência AFP. 

Agora, em liberdade, tem no seu encalço mais de três mil polícias franceses. E, ao contrário do que se pode pensar, não é a primeira fuga da prisão de helicóptero. 

Fugir em grande estilo 

As fugas de prisões com helicópteros são hoje uma prática conhecida pelas autoridades prisionais por todo o mundo. Desde 1971, quando aconteceu pela primeira vez no México, já se deram 47, com a França a figurar no topo da lista dos países com mais fugas deste género. Fugas que inspiraram vários filmes de Hollywood e não o contrário. Recordemos apenas alguns destes casos. 

O Chile vivia os anos pós-ditadura do general Augusto Pinochet e a fase inicial de reconciliação nacional. Quatro membros de uma das organizações que combateram a ditadura, a Frente Patriótica Manuel Rodríguez, estavam detidos na prisão de segurança máxima Frente Prisão nas redondezas da capital, Santiago, mas não por muito mais tempo. Em apenas 58 segundos,um helicóptero  desceu para o recreio ao ar livre, disparando balas reais contra os guardas. Os quatro presos subiram para um cesto, foram puxados pelo helicóptero e fugiram em direção ao centro da cidade, desaparecendo sem deixar rasto. Entre os foragidos encontravam-se Ricardo Palma e Mauricio Hernández, condenados a pena perpétua por terem morto o senador Jaime Gúzman, conselheiro e próximo de Pinochet. Palma foi encontrado e detido em França este ano, 22 anos depois da sua espetacular fuga. 

Se há figura que fez das fugas prisionais de helicóptero a sua especialidade é o francês Pascal Payet. Por três vezes fugiu da prisão de helicóptero. Condenado, em 1997, a 30 anos de prisão por assalto armado a um banco, causando a morte a um guarda, Payet passou uma breve temporada na prisão. Em 2001, conseguiu fugir da prisão de Luynes, em Bouches-du-Rhône, de helicóptero, mas foi capturado poucas semanas depois. Dois anos depois tentou uma nova fuga de helicóptero, desta vez com outros três presos, seus amigos de longa data, mas seis semanas depois foi recapturado. Passou a ser classificado como ‘preso sob elevada vigilância’ pelas autoridades prisionais, mas nem isso o impediu de tentar uma terceira fuga em 2007. Aproveitando as comemorações do dia da Bastilha, quatro homens mascarados num helicóptero libertaram Payet da prisão de Grasse – Payet era transferido de prisão em prisão de seis em seis meses. Foi novamente capturado dois meses depois, com um mandato europeu em seu nome. Continua preso até aos dias de hoje. E as fugas de helicóptero parecem não fazer mais parte dos seus planos.

Também na Grécia aconteceram fugas de helicóptero que poderiam ser mais cenas de filmes. Em 2006 e 2009, Alket Rizai, de nacionalidade albanesa, e o grego Vassilis Paleokostas conseguiram fugir da prisão de segurança máxima Korydallos, em Atenas. As metodologias utilizadas são muito semelhantes: helicóptero e piloto sequestrados, resgate nos pátios exteriores, abandono e libertação dos sequestrados num local pouco frequentado e com acesso a artérias de circulação a alguns quilómetros de distância, com carros à espera, e o máximo de rapidez na passagem das fronteiras nacionais. A dificuldade maior parece não ser a fuga da prisão, mas abandonar o país, pois, ao mesmo tempo que as autoridades avançam com uma caça ao homem, as fronteiras também são fortemente vigiadas. 

Mas nem todos os resgates de helicóptero correm bem. Foi assim também na Grécia, em 2013, quando um helicóptero com quatro elementos – dois armados, um piloto e um técnico – tentou resgatar Vlastos, de 43 anos e condenado por  homicídio. Pairando sobre o pátio exterior da prisão, os dois homens começaram a disparar com armas de assalto contra os guardas prisionais, ferindo um, enquanto Vlastos tentava subir por uma corda para o helicóptero. Os guardas retribuíram fogo e feriram Vlastos numa perna, fazendo-o cair de uma altura de dez metros. Sob intenso fogo e com o ‘resgatado’ no chão, a tripulação foi obrigada a aterrar no parque de estacionamento da prisão, sendo imediatamente detida. No final, mais de 500 balas foram disparadas pelo helicóptero contra os guardas prisionais. 

As fugas em Portugal  

Nunca houve em Portugal nenhuma fuga com contornos tão espetaculares como no México, França ou Grécia, mas apenas informações de que uma fuga com helicóptero estaria a ser preparada para resgatar Patrick Graziani, corso e membro do gangue das ‘Perucas’, condenado por assaltos à mão armada em Leça da Palmeira, em 2007. Confrontado com essa possibilidade, o preso limitou-se a dizer que era «cinema». Ainda assim, Portugal foi palco de algumas fugas fantásticas. Recordemos duas delas.

Estava-se em 1978 quando 124 presos conseguiram fugir da prisão de segurança máxima de Vale de Judeus, Alcoentre, por um túnel de 35 metros. Foi a maior fuga em toda a Europa e demorou 26 dias a ser preparada. O túnel, com um diâmetro de 80 centímetros, foi escavado com ferramentas roubadas da oficina da prisão e até chegou a ter luzes e uma ventoinha de ‘escoamento’. A fuga foi planeada e preparada por Zé da Tarada, Isidro Dragão, Dedé, Muleta Negra e Manuel Alentejano, mas depois os restantes presos aproveitaram-se do túnel para atingirem a liberdade. A grande maioria dos foragidos foram detidos nos dias que se seguiram.

Uma outra fuga que ficaria para a História em Portugal seria a dos três ‘acrobatas’ que, em 2004, saltaram uma cerca com 12 metros de altura no estabelecimento prisional anexo à antiga Polícia Judiciária de Lisboa. Deixados sozinhos com o advogado, os três presos ameaçaram-no e chamaram o guarda, esmurrando-o de seguida. Depois, saltaram da janela, com dois deles a ficarem no chão com as pernas partidas. Um foi logo capturado e o segundo conseguiu seguir caminho por uns quantos metros até ser detido. O terceiro, apelidado de ‘O Corvo’, conseguiu saltar sem mazelas e desapareceu na noite. Acabaria por ser detido três meses depois, já em França, quando tentava passar a fronteira para Itália, onde a namorada, grávida, o esperava.