Após um desenvolvimento fulgurante na primeira década do século 21 – onde atingiu crescimentos anuais na ordem dos dois dígitos – a China tornou-se na segunda maior economia mundial e um dos mais relevantes motores da economia global. Todavia, esta expansão impressionante foi feita com recurso a uma estratégia de investimento massivo cuja génese nunca seria sustentável como modelo de longo prazo. Nessa ótica, os líderes chineses têm vindo desde 2012 a gerir a transição para um modelo económico assente no consumo interno, e o consequente abrandamento para taxas de crescimento mais moderadas. Nos últimos anos os efeitos menos benignos desta transição têm sido minimizados pelo pontual e estratégico apoio das autoridades na economia, porém os recentes movimentos nos mercados e moeda chinesa levantam dúvidas sobre a capacidade do comité central conseguir evitar uma desaceleração mais abrupta, tal que poderia precipitar o mundo para o espetro de uma nova recessão.
Os receios em torno da saúde da economia chinesa têm subido de tom nas últimas semanas. O mercado acionista local sinalizou a entrada em bear market – após uma queda superior a 20% desde o anterior máximo – demonstrando o nervosismo dos investidores em relação aos mais recentes atritos comerciais com os EUA. Chegaram também notícias de algumas falências por parte de empresas mais alavancadas que o Estado optou por não salvar. A relação entre estes dois alarmes é de certa forma reflexiva, visto que existe uma proporção de empréstimos na China que estão colateralizados com produtos cotados em bolsa, logo as quedas tendem a provocar falências que por seu turno são catalisador para mais desconfiança e uma segunda ronda de quedas. Outro sintoma desta conjuntura tem sido a rápida desvalorização da moeda, o yuan. Esta queda terá sido no mínimo parcialmente orquestrada pelas autoridades – para contrariar as ameaças de tarifas americanas – porém é provável que a expectativa de redução do superavit comercial chinês bem como fuga de capital local tenham contribuído para exacerbar o movimento. O câmbio é uma arma da qual os planeadores centrais chineses não podem abusar, pois correriam o risco de criar um efeito bola de neve em termos de fuga de capitais, e ao perder o controlo da depreciação da moeda arriscariam materializar uma guerra comercial junto com uma guerra cambial.
A situação chinesa é tensa. Nos últimos anos a China contribuiu com cerca de um terço do crescimento mundial, sendo o seu mercado crucial para outras economias relevantes como a Alemanha e Brasil. Caso os seus líderes percam controlo sobre o seu projeto de abrandamento gradual, o efeito de dominó facilmente resultaria em nova recessão mundial, precisamente numa altura em que os bombeiros de serviço – os bancos centrais – têm muito menos recursos para combater um novo foco de incêndio.
*Gestor de portfolio multi-ativo no BiG – Banco de Investimento Global