Gostei de ver o Presidente e o primeiro-ministro da República portuguesa a dividirem o palco mundo do Rock in Rio com os Xutos e Pontapés. Antecipava-se que este concerto, o oitavo da banda naquele espaço, fosse uma grande homenagem ao músico Zé Pedro, porventura o mais carismático dos Xutos. Goste-se ou não, o Rock in Rio é uma grande marca, uma marca da música e pisar o palco mundo, em Lisboa ou no Rio de Janeiro, é motivo de orgulho para qualquer artista. Faz todo o sentido recordar e homenagear o Zé Pedro neste espaço (nesta edição e sempre que os Xutos subirem a este palco). E os nossos políticos perceberam isso.
A presença do Presidente no evento não foi surpresa para ninguém, era uma das várias notícias do dia. Criou-se alguma expectativa, canta esta ou canta aquela, não canta nenhuma e ainda vamos descobrir que afinal toca guitarra ou bateria, antecipava-se o momento alimentando conversas de circunstância. Mas, interessante reparar, poucos ou nenhuns duvidavam da sua presença ou sequer consideravam a presença do Presidente uma coisa estranha, diferente ou que não devia acontecer.
Recuando uns anos, não muitos, alguém imagina o anterior Presidente a cantar a Minha Casinha ao lado do Tim no palco do Rock in Rio?
Entra em cena o professor Marcelo, era assim que o conhecíamos quando fazia os seus comentários ao domingo à noite na TVI. Todas as semanas o professor Marcelo explicava e interpretava a atualidade – ou se calhar explicava só a sua interpretação, não importa – o que colocou a figura do então professor e comentador num patamar a que nenhum outro político português conseguiu chegar. A proximidade do professor Marcelo, o seu espaço no nosso quotidiano é um ativo único e irreplicável. Talvez ninguém como o próprio tivesse tanta noção disso. O percurso do candidato até à presidência foi um dos mais tranquilos de que há memória.
Expressões como o «Presidente dos afetos» são comuns para caracterizar o atual mandato do Presidente da República. O que significa uma grande evolução face à forma como o cargo foi desempenhado pelos seus antecessores ou, dito de outra maneira, à forma como a marca, a presidência da república, comunica com os seus stakeholders. Evoluímos para uma relação de natureza emocional. Este Presidente faz o que todas as marcas querem fazer com os seus consumidores, criar e gerir uma relação de natureza afetiva, sustentada em valores e propósitos, que têm no produto ou serviço que prestam uma das possíveis manifestações desse compromisso.
O sucesso do Presidente Marcelo no domínio da comunicação e a sua consequente proximidade às pessoas é inequívoco, muito provavelmente incomparável. Se o Presidente conseguiu e não precisou de mudar assim tanto a instituição, porque é que tantas marcas têm tanta dificuldade em fazer o mesmo?
As pessoas acreditam no Presidente em primeiro lugar porque o conhecem, porque é uma figura presente, que aparece e está em muitos momentos das nossas vidas. Claro que é através dos sites e da televisão que nos chega a sua imagem, mas, ao contrário de outras personalidades, ele não tenta criar distâncias, estar acima. Pelo contrário, dentro do que é possível, tenta estar onde as pessoas também estão, ao seu nível.
Mais do que o caso do Presidente Marcelo ou do relativo insucesso de todos os que tentaram copiar a sua abordagem, é muito interessante observar a forma como os políticos, sobretudo os candidatos procuram chegar às pessoas. Hoje a proximidade conquista-se pela relevância e frequência da mensagem, mas também e cada vez mais pela postura do emissor. A presença física, o lado humano e a utilização de canais de comunicação mais diretos são três pontos fundamentais que caracterizam este tipo de atuação.
Se pensarmos que o marketing político procurou inspiração e ciência nas práticas das grandes marcas, quiçá por reconhecerem um instinto comercial mais apurado, talvez hoje, possamos observar uma inversão de sentido nesta relação. Todas as marcas querem que a sua relevância seja percebida e reconhecida, mesmo aquelas com estatuto de estrelas pop, cada vez mais raras.
Por cá temos um bom exemplo de alguém que fez um percurso que mudou a forma como as pessoas percebem a função de chefe de estado. Talvez se nos inspirarmos no percurso que o nosso Presidente fez, consigamos descobrir caminhos para tornar as marcas mais relevantes. Pelo menos algumas.
Uma das marcas mais importantes do nosso setor e da sociedade portuguesa em geral mudou profundamente. O fim do Diário de Notícias em papel, todos os dias, é uma decisão da empresa para manter a marca relevante nos dias de hoje. Ao DN desejo uma longa vida em todos os formatos, porque este setor não deve prescindir duma marca destas. A nossa dimensão também é calculada em função da dos nossos concorrentes e o DN vai ser sempre uma grande referência da imprensa portuguesa.
*Responsável Planeamento Estratégico do Grupo Havas Media