O livro branco de May é tóxico

A União Europeia andava a pressionar o Governo britânico para que apresentasse a sua proposta para o Brexit. Agora que foi entregue, Bruxelas guarda um prudente silêncio.

Theresa May conseguiu a proeza de corresponder às exigências da União Europeia com uma proposta que não agrada a Bruxelas e que abriu uma rutura no seu Governo, com a demissão de dois defensores do hard Brexit, Boris Johnson e David Davis (ver texto abaixo). O Livro Branco para a saída do Reino Unido da UE conseguiu até que Donald Trump chegasse na sexta-feira a Londres com o aviso de que um soft Brexit não permitirá que haja uma relação bilateral privilegiada entre o Reino Unido e os Estados Unidos, como é desejo da primeira-ministra conservadora: a proposta, disse Trump, «provavelmente matará» um acordo de comércio EUA-Reino Unido. Embora mais tarde tenha classificado a sua entrevista ao The Sun como fake news e garantido que um acordo bilateral era possível, mas que «a negociação será complicada».

A proposta de Londres pretende assegurar a cooperação comercial, sem fronteira real na Irlanda do Norte e a possibilidade do Reino Unido estabelecer acordos comerciais com outros países e zonas económicas. Algo que o deputado conservador Jacob Rees-Mogg, da linha favorável ao hard Brexit classificou como um «mau acordo para a Grã-Bretanha».

A perspetiva nas instituições europeias, por outras razões, será a mesma, a de que este é um mau acordo, mas para a Europa. Até agora os seus dirigentes têm-se mantido prudentemente silenciosos, remetidos a palavras de cortesia:  «Vamos agora analisar o Livro Branco do Brexit com os Estados Membros e o Parlamento Europeu de acordo com as diretrizes do Conselho Europeu», escreveu o chefe das negociações da UE, Michel Barnier, no Twitter.

Só que desde o princípio que Bruxelas tem defendido a mesma posição em relação às negociações – e Barnier, volta e meia a refere, para o caso de o Governo britânico se fazer de esquecido –, a de que o Reino Unido não pode manter as partes boas da relação com a UE e livrar-se das responsabilidades de ser membro da União. E o que May propõe no Livro Branco é precisamente isso.

 A primeira-ministra, no entanto, sublinha que este documento «garante o Brexit que as pessoas votaram» e o substituto de David Davis no Ministério para o Brexit, Dominic Raab, citado pela BBC, afiançou que se trata de um plano para «uma parceria futura ambiciosa, pragmática e baseada em princípios».

O líder das negociações do Brexit no Parlamento Europeu, Guy Verhofstadt, não se esqueceu de sublinhar que os eurodeputados irão analisar o Livro Branco à luz das prioridades europeias: «Direitos dos cidadãos, uma saída para a Irlanda e uma relação económica profunda baseada na integridade da união e do mercado interno».

Philip Hammond, secretário do Tesouro, equivalente a ministro das Finanças, defendeu o plano do Governo nas páginas do Financial Times, dizendo tratar-se de «uma estrutura realista» que «traz estabilidade e certeza suficientes para o mercado operar». Algo que parece não convencer os responsáveis da cidade de Londres, a maior praça financeira europeia que teme as mudanças forçadas que a saída do Reino Unido da UE trarão à capital britânica.

O Governo da cidade considera o plano «um verdadeiro golpe no setor financeiro e nos serviços profissionais relacionados», nas palavras de Catherine Guinesse, que detém o pelouro das políticas. Hammond respondeu dizendo que o Livro Branco tem como pressuposto um «acordo bilateral entre o Reino Unido e a UE», garantindo que as mudanças «serão precedidas pelo apropriado diálogo e seguirão um processo de implementação acordado», algo que dará à cidade Londres «uma base sólida para fazer planos a longo prazo».