A polícia de crimes financeiros turca iniciou ontem uma operação contra o pregador muçulmano Adnan Oktar, e a sua seita, muito popular na Turquia, onde tem um canal de televisão, A9, e no Médio Oriente. Oktar e mais 165 dos seus colaboradores foram detidos na quarta-feira, mas, ao todo, as autoridades emitiram 235 mandados de detenção. O religioso turco é suspeito de fraude, organização criminosa e abuso sexual. Segundo a agência de notícias turca Anatolia, o guru religioso estava na lista dos mais procurados da unidade de crimes financeiros e foi detido porque alegadamente se preparava para fugir da Turquia.
O homem que adotou um harém de seguidoras a que chamava de 'gatinhas', mulheres extremamente maquilhadas com vestidos colados ao corpo ou em fato de banho com quem adorava fotografar-se em ambientes sumptuosos; que dizia ser amigo do Presidente Recep Tayyp Erdogan e de políticos israelitas; que pregava um islamismo do amor e do diálogo inter-religioso; que gastava horas e horas do seu programa a pregar contra a teoria de Darwin (escreveu mesmo um The Atlas of Creacionism); parece ter chegado ao fim da sua longa carreira como influenciador.
Tal como o B, I. escreveu há duas semanas, no seu artigo de capa, a relação entre Oktar e o homem forte da Turquia tinha esfriado nos últimos anos depois da adoção das 'gatinhas'. Líder de um partido religioso que vendeu uma imagem de modernidade para alcançar o poder e depois, alcançado o poder, foi mostrando a sua verdadeira identidade conservadora, Erdogan não podia estar mais distante do comportamento flamboyant e interpretação colorida da fé islâmica pregada por Oktar.
Só que o dono do canal A9 é popular, tem muitos seguidores um pouco por todo o Médio Oriente e como sempre defendeu o Presidente turco nas suas emissões, elogiando-lhe a figura de estadista e sendo um daqueles que desde a primeira hora saiu a defender a resistência ao alegado golpe de Estado de 2016, parece ter havido para com ele uma certa complacência que chegou aparentemente ao fim.
Os 235 mandados de captura são um sinal de que as autoridades querem colocar um ponto final no culto das 'gatinhas' e na visão sui generis da fé muçulmana. Na Turquia do agora todo o poderoso Erdogan não há espaço para um harém televisivo de senhoras de corpo exposto – nem mesmo, ou muito menos, em nome de Alá. Até porque se multiplicavam as declarações públicas de pais das gatinhas reclamando a intervenção das autoridades para a lavagem cerebral a que as filhas eram submetidas e que as levavam a se tornarem seguidoras de Oktar.
Como seria de esperar, além de arrestados os bens, a polícia também encontrou um verdadeiro arsenal de mais de uma cinquentena de armas. E os meios de comunicação social turcos foram avisados de antemão da operação, dando assim oportunidade de filmar o guru a ser levado preso para descanso da sociedade turca.
Não é, no entanto, a primeira vez que Oktar se vê a braços com a Justiça. É até um conhecedor do sistema judicial turco, tantas foram as vezes em que foi detido. Inclusive passou anos na prisão e em instituições de saúde mental. O diretor do Departamento de Assuntos Islâmicos sugeriu em janeiro que Oktar «tinha quase de certeza perdido a sanidade mental».
É verdade que as longas preleções de Oktar contra o darwinismo, contra as forças na sombra do poder britânico (que acusa, entre outras coisas, de ajudar à ascensão de Adolf Hitler na Alemanha) e os ensinamentos do Islão, com uma assistência de senhoras de vestidos provocantes de olhar atento e aplausos entusiastas e intermezzos de bailarinas de dança do ventre são sinais de estroinice. Mas não nos esqueçamos que há outras definições para malucar no dicionário – como andar pensativo, matutar.
Aproveitar, antes de ser levado para a prisão, para acusar as «mentiras» do poder oculto britânico como sendo as responsáveis pela sua detenção, ao invés de apontar o dedo para o Governo turco, quem parece realmente estar por trás da ação policial, é ao mesmo tempo os dois lados da maluquice. Um Jano que se faz louco para inteligentemente se livrar de danos maiores.