As contratações da Câmara de Lisboa

Na CML há verdadeiros e falsos prestadores de serviços – os chamados ‘recibos verdes’ 

O Estado relaciona-se com os particulares de formas muito diversas: pode fazer do particular um funcionário público, pode nomeá-lo para um alto cargo público, pode nomeá-lo para um gabinete político de um ministro, pode adquirir-lhe uma prestação de serviços ou até fazer dele um falso prestador de serviços. 

Na semana passada, analisámos o caso das nomeações dos ministros e secretários de Estado de um Governo, que obedecem à lei de 2012 (Governo de Passos Coelho, apoiado pelo PSD). Como vimos, são nomeados diretamente e com categoria profissional, auferindo rendimentos da categoria A. 

Esta semana escrevemos sobre uma situação diferente: sobre a Câmara Municipal de Lisboa, até por causa de algumas notícias que surgiram na imprensa. Perante a mistificação reinante, vamos, novamente, tentar ser pedagógicos.

A CML, administração local, tem os seus funcionários públicos (cerca de oito mil), tem pessoal político nomeado nos gabinetes do presidente e dos vereadores. Tem ainda verdadeiros prestadores de serviços e tem falsos prestadores de serviços. 

Prestadores de serviços verdadeiros são aqueles que, nos termos do Código Civil, podem ter um contrato de tarefa (fazem um serviço, pontual), ou têm um contrato regular de avença (prestam um serviço mensal), passando os chamados ‘recibos verdes’. Obviamente, os verdadeiros prestadores de serviços são independentes, não têm subordinação hierárquica (quer dizer, não têm chefe) e não têm horário – porque são independentes. Auferem rendimentos da categoria B. 

A natureza do vínculo que une o Estado ao particular determina as respetivas obrigações das partes. Se for um trabalhador dependente, tem subordinação hierárquica e tem horário. Se for independente, não tem uma coisa nem outra.
Se uma prestação de serviços tivesse horário e dependência hierárquica, não era prestação de serviços – era trabalho dependente. E é isto que se passa com os falsos ‘recibos verdes’, de que vivem centenas de milhares de portugueses. Trata-se de trabalho dependente encapotado.  

A Câmara de Lisboa, como todos os organismos do Estado, tem dado o pior exemplo, sendo em Portugal o maior patrão de ‘recibos verdes’. De vez em quando leva a cabo um movimento de regularização de precários. Ao longo deste último ano, teve lugar um desses movimentos.

Ora, há várias pessoas a trabalhar há muitos anos nos gabinetes políticos a ‘recibos verdes’, mas que são falsos ‘recibos verdes’ – porque cumprem horário e têm chefia. 

Aliás, na Assembleia Municipal, o PCP e Os Verdes sempre foram pugnando junto do vereador com o pelouro dos recursos humanos, João Paulo Saraiva, para que esses trabalhadores precários fossem integrados, mas sem sucesso. O argumento é que pertencem aos gabinetes políticos – e se os partidos deixarem de ser votados, a sua função deixa de ser requerida. 

Vamos continuar na próxima semana. 

sofiarocha@sol.pt