Mundial. Ei-los que voltam, galunfantes

A França, a vencedora clara do Capeonato do Mundo da Rússia, mostrou que o Euro-2016 foi um investimento. Cinco finais nos últimos vinte anos fazem dela a grande potência da atualidade

Despedi-me de Moscovo com um sol radioso. As fachadas severas dos edifícios soviéticos estalavam de calor. Na véspera a França ganhara o seu segundo Campeonato do Mundo e chovera como nunca durante o mês e alguns dias que passei na Rússia. Depois, pela noite e pela madrugada, um nevoeiro londrino ou, pior ainda, um nevoeiro de charneca do Yorkshire, um nevoeiro de Cão dos Baskerville, e eu caminhava pela beira rio, a Galeria Tretiakov do outro lado, e só faltava ouvir o uivo dos lobisomens, tentando vislumbrar mais do que vultos por entre as árvores, as luzes dos automóveis fazendo reflexo na neblina, a cidade como mergulhada em si própria, numa bruma sentimental.

Molhados, felizes, os jogadores franceses tinham feito a sua festa, justa, merecida, foram não apenas campeões mas, verdadeiramente, os melhores desta competição organizada com um esmero notável e com uma dedicação profunda. Nos últimos 20 anos estiveram presentes em três finais de Mundiais e duas de Europeus. Ninguém fez igual.

Ei-los, portanto, que voltam para casa galunfantes, para usar uma expressão de Alice no País das Maravilhas, Lewis Carrol era um fanático dos neologismos, aproprio-me deste porque cai a matar na Dona França e seus Galos Negros – «Um dois! Um, dois!/ Sua espada mavorta/Vai-vem, vem-vai, para trás, para diante!/Cabeca fere, corta e, fera morta/Ei-lo que volta galunfante» -, coisa terrível de traduzir, belo trabalho o de Augusto de Campos, é dele a versão portuguesa que tenho cá por casa. E voltam para casa cobertos de honrarias merecidas, apesar de termos quase todos ficado com a ideia de que o sentimento popular debruçava as suas preferências para a Croácia, há que dizer, aliás, que esta seleção croata fez mais pela popularidade do país e do seu povo do que centenas de anos de História, muitos deles decididamente do lado errado da História, mas isso não vem aqui a propósito.

Desde o primeiro jogo que se percebeu que esta França de Didier Deschamps, que foi campeão do mundo também como jogador, não estava disposta a cometer os mesmos erros que cometera há dois anos, no Europeu por si organizado, e que deu a surpreendente vitória portuguesa arrancada do fundo da valente alma lusitana naquele remate esperpêntico de Éder, por extenso Ederzito.

 

Segurança!

Apesar da alacridade de Mbappé, que viveu intensamente o seu primeiro Mundial, ele que é um garotinho ou, como dizia Nelson Rodrigues sobre Pelé, em 1958, precisa de autorização do pai para entrar numa sala de cinema que passe um filme da Brigitte Bardot, todo o conjunto francês foi de uma compacidade formidável. De tal forma que se libertou com certo à vontade dos adversários que lhe surgiram pela frente (o 4-3 à Argentina é de um equilíbrio enganador), e mesmo na meia-final contra a Bélgica (até aí sensação do torneio), puxou o brilho aos galões da sua qualidade defensiva e reduziu ao mínimo denominador comum – Hazard – a criatividade inequívoca dos belgas.

Apoiando-se num meio-campo de impressionante caráter, ao qual se junta um poder físico dificilmente comparável, e qualidade técnica nada despicienda, com Kanté, Pogba e Matuidi (Nzonzi e Tolisso na rotatividade), a França chegou mesmo a atropelar a Croácia durante largos períodos do segundo tempo, dando a sensação, por instantes, que até chegaria a um resultado bem mais desnivelado. Ainda bem que assim não foi, tornava-se injusto para uma equipa croata que atingiu a final do Estádio Luzhniki com três prolongamentos consecutivos sobre os músculos, tendões e articulações, e dois desempates por grandes penalidades desentranhados ao máximo da sua resistência emocional.

Fechou-se a porta de mais um Campeonato do Mundo, abrem-se os portões do próximo, no Qatar, em 2022, com esta curiosidade de se passar do maior país do planeta para um dos mais pequenos. E se o gigantismo russo não foi obstáculo para o funcionamento bem oleado de todas fases do processo, temos quatro anos para perceber quais poderão vir a ser os custos da exiguidade.