Jardim Botânico Tropical tem cada vez mais visitantes – são perto de 2000 por dia – e assim que se entra percebe-se porquê. Nos mais de cinco hectares de espaço público encontram-se 600 espécies originárias de vários continentes. E a maioria das espécies , de origem tropical ou subtropical, tornam o espaço quase um oásis exótico mas também de silêncio e ar puro na zona monumental de Belém, junto ao Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, em constante rebuliço de visitantes e turistas.
O Jardim Botânico Tropical encontra-se situado num espaço de quintas e casas de recreio da nobreza portuguesa dos séculos XVI a XVIII.
«O quarto conde da Calheta comprou todo este espaço para fazer a sua residência de verão e mandou construir aquele que é hoje o Palácio dos Condes da Calheta [também conhecido como Palácio do Páteo das Vacas]», conta Ana Godinho, que guia o b,i. pelo espaço. Deste período resta ainda vária estatuária em mármore de carrara de Bernardino Ludovici (1693-1749), Giuseppe Mazzuoli (1624-1725) e outros artistas, tanto no jardim como no palácio. O conde da Calheta «adquiriu alguma estatuária porque queria que o seu jardim fosse um centro social e cultural por excelência», relata a guia.
O jardim pertenceu ao Conde da Calheta até ser adquirido por D. João V em 1726. «Sendo um rei cujo cognome é ‘Rei-Sol’ e tendo todo o dinheiro que vinha do ouro do Brasil, quis transformar este espaço no centro cultural, social, aristocrático da capital», continua Ana Godinho. D. João V foi Rei de Portugal e Algarves de 1706 até sua morte em 1750. Apelidado de ‘O Magnânimo’, é também por vezes conhecido como o Rei-Sol português. Segundo a historiadora, na «altura as obras do convento de Mafra ainda estavam meio paradas e ainda se colocou a hipótese de o Mosteiro dos Jerónimos ser o centro religioso da capital». Belém era, na altura, o ponto de encontro da capital. Era aqui que aportavam os barcos, pelo que a zona tornou-se no centro do comércio, de entradas e saídas na altura da expansão marítima portuguesa.
Fotografia de Miguel Silva
Entretanto o proeto religioso não foi avante, as obras do Convento de Mafra continuaram – o Palácio Nacional de Mafra é uma das grandes construções do reinado de D. João V – e o Mosteiro dos Jerónimos é entregue aos monges.
Com a aquisição dos jardins por parte do Rei, surge a ideia de criar uma vila romana – e todo o jardim tem uma decoração característica dessas vilas. Para o efeito, além da estatuária adquirida em Itália, o rei encomendou outras peças a Machado Castro, o escultor da Casa Real. «Aqui o seu objetivo era também fazer a sua horta suburbana, que era uma moda da altura», conta Ana Godinho. E foi assim que o próprio rei ordenou que se plantassem algumas espécies tropicais e subtropicais.
«Toda esta zona em declive é propícia ao desenvolvimento de várias espécies. Tem canais subterrâneos que irrigam esta zona e, após o terremoto [1755], também se ficou com a certeza de que do ponto de vista geológico esta era uma zona mais rica».
Um dos edifícios em destaque é a Casa do Fresco do século XVII, também denominada Casa do Veado, devido à figura animal que adorna o seu portal, atualmente escondida num dos cantos do jardim e que era usada para os nobres se refrescarem quando havia caminhadas do rei com os seus convidados.
Esta estrutura não está, por agora, acessível ao público, tal como outros dois hectares do jardim. Os espaços estão incluídos nas obras de recuperação do Jardim Botânico Tropical (JBT) que começam no outono. Antes do encerramento temporário da totalidade do espaço, porém, o JBT recebe os encontros da Fundação Francisco Manuel dos Santos, agendado para 14, 15 e 16 de setembro, sob o mote ‘O trabalho dá que pensar’.
Do terramoto ao século XX
Voltemos à História do nosso jardim. Depois da morte de D. João V, e na altura do terramoto, o seu filho, D. José, estava no antigo palácio. E, como se sabe, toda esta zona resistiu ao abalo. « Com medo de novos terremotos mandou construir os edifícios de madeira, a chamada Real Barraca», lembra a guia, recontando o início do Palácio Nacional da Ajuda.
Foi também nas traseiras do palácio dos Condes da Calheta onde se deu a tentativa de regicídio a D. José. «Foi à noite. Dizem que vinha de um encontro com a sua amante, que faria parte da família Távora, e que na altura foi considerada a mentora desta tentativa de regicídio. Alguns dos processos do julgamento dos Távora deram-se neste jardim, que na altura já tinha mais ou menos esta configuração», conta Ana Godinho. Sebastião José de Carvalho e Melo foi titulado Marquês de Pombal no fim de todo este processo. E a Igreja da Boa Memória, na Ajuda, onde estão os seus restos mortais, foi construída para que ninguém se esquecesse do episódio.
D. José abandona esta zona e, durante muito tempo, o Jardim Botânico Tropical fica ao abandono. Segundo a historiadora, nesta altura, funcionou como «secretarias do Estado, também como casa de pernoite de alguns nobres de visita» e ainda como «uma espécie de casa de repouso para alguns membros da casa real, como o professor dos príncipes».
O Jardim ‘atual’ só foi criado em 25 de janeiro de 1906 por Decreto Régio, no contexto da organização dos serviços agrícolas coloniais e do Ensino Agronómico Colonial no Instituto de Agronomia e de Veterinária, tendo-se denominado então Jardim Colonial e transferido depois para a «Cêrca do Palácio de Belém», onde ainda hoje se encontra.
Fotografia Miguel Silva
O jardim, com uma forte vocação didática, foi considerado vital para o ensino por ser «indispensável o exemplar vivo para que a demonstração seja rigorosamente scientifica e educativa, para que o alumno não fique imaginando somente como são os animaes e os vegetaes, mas tenha a noção viva da realidade [sic]».
Desde esses primórdios, o Jardim Colonial também foi entendido como centro de estudo e experimentação de culturas e como espaço de recolha de informação sobre a agricultura colonial
«Este é o único jardim tropical nacional. Primeiro, porque D. João V tinha plantado algumas espécies tropicais, depois porque continuavam a chegar outras do Portugal ultramarino e era necessário desenvolver as colónias a nível económico», explica Ana Godinho.
«Aqui eram formados os engenheiros que iam para as colónias e eram também trazidas plantas para que se pudesse estudar e conhecer essas doenças. O
Jardim era uma dependência do Instituto Superior de Agronomia que entretanto já tinha vindo para onde é hoje. Este era um espaço de aula ao vivo, onde os alunos podiam contactar com as várias espécies, estudá-las», acrescenta.
Espécies da época jurássica
Ao longo da visita, a guia vai mostrando algumas das espécies de árvores e plantas que habitam o Jardim Botânico Tropical. A sequoia, típica da América do Norte que foi plantada pelo mayor de Nova Iorque quando esteve de visita em 1962. As espécies que bordejam todo o lago são as sicas, «que parecem palmeiras mas não são. São da época jurássica e terão convivido com os dinossauros. Pouco evoluíram desde então e são protegidas por convenções internacionais». Na avenida principal, há palmeiras ‘washingtontians’, que não são árvores. «Não dão madeira e não têm troncos. São plantas gigantes (…) Delas apenas se aproveita as tâmaras e o óleo de palma». Depois há o núcleo de jincos (ginkgo), que têm os géneros masculino e feminino. «O masculino é muito utilizado em arruamentos porque a folha absorve a poluição. São resistentes, terão sobrevivido aos efeitos de Hiroshima e há estudos em curso para usar esta árvore na investigação para a cura do cancro».
Segundo Ana Godinho, «o critério de plantação foi todo pensado e em função das características das árvores e plantas, mesmo já no séc. XVII».
Relativamente às espécies tropicais e subtropicais, as que vieram dessas zonas foram para as estufas. «Na principal temos as espécies mais sensíveis, que não se deram no espaço exterior, apesar de nesta zona se conseguir criar um microclima», relata. Do período inicial do Jardim Colonial ficou, principalmente, a Estufa Principal, edificada em 1914, já a pensar nestas espécies exóticas. Está fechada ao público e vai entrar em obras.
A própria estrutura em ferro e vidro – um exemplar da arquitetura do princípio do séc. XX – já não está em grandes condições. Depois nos anos 1930, foram construídas novas estufas, uma para chá e outra para café.
Por volta de 1940 o jardim é fechado ao público porque toda esta zona recebe a Exposição do Mundo Português, que ocupou grande parte da zona de Belém e teve um polo muito importante polo no próprio jardim, a Seção Colonial, dando origem a várias novas estruturas. A historiadora, especializada em arqueologia, relata que o objetivo foi «retratar neste espaço o Portugal ultramarino mas também todas as regiões do Portugal da metrópole, bem como o poder que os dirigentes tinham sobre o império. A ideia de império. A exposição era mostrar o poderio de Portugal face a uma Europa em guerra». Para tal, foram trazidas algumas etnias, pessoas que estavam ali expostas. «Na altura era uma prática comum, já tinha sido feito em outras exposições», diz Ana Godinho, lembrando que chegaram a morrer pessoas durante a exposição porque não aguentarem a diferente meteorologia.
Datam da exposição os catorze bustos africanos e asiáticos do escultor Manuel de Oliveira, «para mostrar aos visitantes esta diversidade de povos» espalhados no jardim, assim como os dois painéis de madeira em baixo-relevo do escultor Alípio Brandão, expostos no átrio do Palácio da Calheta, com temática centrada na agricultura e pesca nas colónias. No palácio funcionam, agora as exposições do MUDE – Museu do Design e da Moda , razão pela qual se mantém aberto. E aqui funciona também o centro de documentação e biblioteca do antigo Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT), que em 2015 foi absorvido pela Universidade de Lisboa.