O problema da falta de areia em Ofir não é novo – esta praia de Esposende, no distrito de Braga, já foi recorrentemente notícia no passado por essa razão. Mas agora volta a sê-lo, não devido ao problema, mas à solução que foi encontrada. A obra feita em 2014 pela Sociedade Polis Litoral Norte veio, afinal, criar mais problemas e pôr em causa a qualidade da praia, denuncia a Quercus ao SOL.
João Branco, presidente da associação, explica ao SOL que, se até à efetivação das obras a restinga (parte do mar em que a água tem pouco fundo) de Ofir não estava em causa, depois da intervenção da Sociedade Polis Litoral Norte, tudo mudou. «Uma parte substancial dessa restinga, que estava há séculos naquele local e era um dos sítios mais bonitos do litoral norte – por isso é que foi classificado primeiro como área de paisagem protegida e, atualmente, como parque natural -, foi destruída pelo mar já depois das obras. As obras não foram feitas como deviam, nem sequer cumpriram o plano original da recuperação do litoral de Esposende», adianta João Branco. O desaparecimento dessa parte da restinga veio pôr em causa a segurança da cidade de Esposende e da sua marginal que, segundo o responsável, era protegida pela restinga. Como resultado, «a marginal poderá vir a ser inundada com as próximas marés vivas ou com temporais», alerta João Branco.
Mas a empreitada levada a cabo na Praia de Ofir teve outras consequências: «Fizeram uma reposição de areia que está cheia de terra. E portanto, atualmente, quando a pessoa está na praia de Ofir, está no meio da poeira, porque as pessoas ao caminharem ali estão sempre a levantar o pó da terra que está misturada na areia. Ou seja, no lugar do que antes era uma praia de areias brancas sem o mínimo de terra misturada, está uma areia de baixa qualidade que ali foi posta e que tirou imenso potencial à praia».
Questionada sobre a intervenção feita no local, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) explicou ao SOL que «o projeto desenvolvido pela Polis Litoral Norte contemplou a criação de um dique, bordejando a parte norte da restinga de Ofir, constituído por três fiadas em altura de geocilindros, no lado exterior e na ponta da restinga, e por duas fiadas, no lado interior. Os geocilindros são ‘contentores’ de forma cilíndrica, fabricados com mantas de material geossintético, que foram cheios com areia». Sobre a areia utilizada, a APA adianta que foi «dragada na barra do Cávado e parte final do seu canal de navegação», justificando que «os sedimentos utilizados foram previamente sujeitos a ensaios laboratoriais de caracterização físico-química, em cumprimento com a Portaria n.º 1450/2007, de 12 de novembro». Os resultados, diz a APA «indicaram que as amostras recolhidas inseriam-se na classe 1, que caracteriza o material dragado limpo, ou seja, que pode ser depositado no meio aquático ou reposto em locais sujeitos a erosão ou utilizado para alimentação de praias sem normas restritivas». Adiantam ainda que «relativamente à análise granulométrica e textural, verificou-se uma predominância de areia, com diâmetros das partículas entre 0,02 e 2mm».
Ao SOL a APA afirmou ainda que «a Polis Litoral Norte tem já iniciada a ‘Empreitada de alimentação artificial das praias adjacentes ao rio Cávado’ que contempla, para além de outras ações, o reforço dunar daquela praia com recurso a areias provenientes das dragagens de manutenção a realizar na barra e troço final do canal de navegação do Rio Cávado».
Pode tudo ter sido feito de acordo com as imposições legais, mas certo é que, como diz João Branco, «a restinga acabou por ser destruída». Os geocilindros, aliás, «rebentaram, e o material dos geocilindros acabou por poluir o areal e o mar», acrescenta o responsável, que diz ter conhecimento de que essa situação está, entretanto, na base de um litígio entre a Sociedade Polis Litoral Norte e o empreiteiro da obra, uma vez que o material dos geocilindros não era o que estava previsto no caderno de encargos. Contactada pelo SOL, a Polis Litoral Norte não confirmou nem desmentiu a situação relatada pela Quercus, informando apenas que «a direção técnica da Polis Litoral Norte encontra-se de férias até ao dia 15.08.2018, pelo que só a partir desta data será possível responder às questões».
Mais a sul, um problema semelhante
Alguns quilómetros mais abaixo no mapa do país, a Praia da Vagueira – enaltecida por um areal particularmente extenso – revela-se como mais um exemplo de uma praia onde a escassez de areia é mais evidente a cada ano que passa.
Ao SOL, o autarca da Câmara Municipal de Vagos, Silvério Regalado, atribui o problema «à falta de trânsito sedimentar, provocado pelas barragens e também pelos molhes construídos, nomeadamente a extensão do molhe norte do Porto de Aveiro, que retêm as areias e as impedem de seguir o seu curso normal». Mas para o autarca a falta de investimento é o grande problema: «O maior problema da nossa costa foi a falta de investimento do Estado durante vários anos, conforme confirmou o Grupo de Trabalho para o Litoral, no seu relatório de 2015, que afirma que em 20 anos (até 2014) o investimento na proteção costeira totalizou 196 milhões de euros, ou seja, menos de 10 milhões de euros por ano. Felizmente, a partir de 2012 e apesar da crise que o país atravessou, esse paradigma foi alterado e o Governo da altura passou a apostar de forma concreta em medidas de adaptação às alterações climáticas».
A partir daí, destaca Silvério Regalado, várias intervenções foram levadas a cabo, tanto pela câmara, como pela APA e ainda pela Polis Litoral Ria de Aveiro. De momento, a autarquia aguarda «pelo projeto de alimentação do troço costeiro Costa Nova – Vagueira, com 2 milhões de metros cúbicos de areia, anunciados pelo Governo em 2016, incluído na estratégia de Proteção Costeira Litoral XXI».