Desta vez, é a ficção a imitar a realidade: um dos crimes mais mediáticos do Brasil vai ser adaptado ao grande ecrã. As gravações de A Menina que Matou os Pais, a história da milionária Suzane von Richthofen que, em 2002, planeou com o namorado, Daniel Cravinho, o assassinato dos pais, Manfred e Marísia von Richthofen, começam ainda este ano. A estreia do filme, realizado por Mauricio Eça, está prevista para 2019.
O argumento está a cargo de Ilana Casoy, criminologista, e do escritor de policiais Raphael Montes. Os ingredientes de um thriller estão todos lá à partida: há uma rapariga de ar cândido e certinho, pais com dinheiro habituados a cirandar nas mais altas elites, mordomias e até ligações históricas: Manfred era sobrinho-neto do piloto de caça alemão que ficou conhecido como o Barão Vermelho. O cenário cor-de-rosa rompe-se abruptamente com o violento duplo homicídio do casal von Richthofen, mortos à paulada enquanto dormiam em sua casa – uma mansão –, em São Paulo.
Contudo, mais do que a história amplamente replicada nos meios de comunicação, Mauricio Eça quer contar neste filme uma parte desconhecida da história. «O filme traz um tema que muita gente conhece e (sobre o qual) tem ideias preconcebidas, mas as pessoas não sabem o mais importante, que é o motivo que levou a filha a matar os pais», disse num comunicado citado pelos meios de comunicação brasileiros. Por isso, o enredo vai focar-se no julgamento do casal de namorados – que terminou em 2006, com a condenação de ambos a uma pena de quase 40 anos de cadeia. Para tal, os argumentistas passaram seis meses a vasculhar os arquivos públicos de um processo judicial que demorou cerca de quatro anos a estar concluído e que também condenou o irmão de Daniel, Cristian, acusado de coautor do homicídio.
Anatomia de um crime
Estamos em outubro de 2002. Suzane tinha, à época, 19 anos, cursava Direito e namorava há um par de anos com Daniel Cravinhos. Os pais, que no início desvalorizaram a relação – foi até o irmão de Suzane, Andreas, que apresentou o casal –, acabaram por proibir o namoro em maio de 2002, depois de Suzane começar a consumir drogas com Daniel.
Na noite de 31 de outubro, Suzane abriu a porta de casa ao namorado e ao irmão deste, Cristian, que se dirigiram ao quarto principal e mataram o casal Von Richthofen com barras de ferro, enquanto a filha esperava na biblioteca. Depois simularam um assalto. A polícia estranhou, desde logo, que tivessem ficado joias no chão e também desconfiou do comportamento da jovem, que horas depois do homicídio dos pais estava tranquilamente a trocar beijos com o namorado. Durante o funeral tentou simular sofrimento, mas assim que começou a ser apertada pela polícia confessou o crime. Ela e os irmãos Cravinhos foram presos e condenados depois de um processo carregado de revezes. Durante o período do julgamento, a jovem deu várias entrevistas em que se mostrou combalida e arrependida – até o seu advogado ter sido apanhado pelo microfone do programa “Fantástico” a dar-lhe indicações para que chorasse. Em 2005 chegou a ser posta em liberdade, período que aproveitou para passar férias no litoral do estado de São Paulo antes de voltar a ser presa, em abril de 2006. Em julho desse ano chegou a sentença: o casal de namorados foi condenado a 39 anos e meio de prisão, e Cristian a 38 e meio. Suzane está desde então a cumprir pena no estabelecimento prisional de Tremembé, a norte de São Paulo.
Casamento, divórcio, noivado
Durante estes anos, Suzane continuou a despertar atenção mediática. Em 2015 deu uma entrevista inédita ao apresentador de televisão Gugu Liberato em que lamentou o crime, mas negou ser a única mentora. «Uma cabeça só não pensa em tudo. É uma junção de tudo, concorrência de ideias. Eu fiz parte, mas os três bolaram aquilo. Acho que o Cristian sabia menos da situação, mas infelizmente tanto o Daniel quanto eu temos culpa nessa parte.»
Depois da polémica entrevista – alegadamente, a produção do programa terá pago dois milhões de reais que foram depois usados para a defesa de Suzane –, o apresentador terá oferecido à reclusa três máquinas de costura industriais.
Nessa altura, Suzane já se tinha casado com outra reclusa, Sandra Regina, conhecida por Sandrão, condenada a 24 anos de prisão por sequestrar e matar um adolescente e que, para se casar com Suzane, se separou de Elise, outra mulher detida em Tremembé (por matar e esquartejar o marido). Ora, as ditas máquinas estiveram na origem do divórcio litigioso das duas. É que Sandrão, que entretanto passou para regime aberto, reclamava a custódia das máquinas, que lhe permitiriam abrir um negócio de costura. O casal desentendeu-se e o casamento terminou com um processo de divórcio litigioso. Entretanto, a ‘menina que matou os pais’ encontrou um novo amor: Rogério Olberg, um marceneiro, irmão de uma outra reclusa do mesmo estabelecimento. Na Páscoa de 2016, o casal esteve junto fora da prisão e, numa entrevista, o marceneiro explicou que os planos dos dois passavam por casar e ter filhos.
Entretanto, Daniel Cravinhos está, desde 2013, em regime semiaberto (tem de dormir na cadeia, embora possa trabalhar fora). Cristian Cravinhos, que cumpria o mesmo regime também desde 2013, foi acusado de agressão à ex-companheira, porte de arma e tentativa de suborno a agentes da polícia, pelo que voltou à prisão em abril deste ano.