As eleições europeias do próximo ano poderão levar a União Europeia para o caminho da democracia «iliberal». Pelo menos é essa a esperança do primeiro-ministro húngaro, Viktor Órban. «O líderes europeus são incapazes de defender a Europa da imigração», disse o líder húngaro na semana passada num discurso para a minoria húngara na Roménia. «Enfrentamos um grande momento: estamos a dizer adeus não apenas à democracia liberal, mas também à elite de 1968», afirmou, referindo-se aos líderes que em tempos participaram nos protestos do Maio de 68 contra a ordem conservadora. E para ser bem sucedido nesta sua deriva para a extrema-direita, Órban vai ter agora um aliado de peso: Steve Bannon, o homem que ajudou Donald Trump a chegar à presidência dos Estados Unidos, vai usar uma fundação para difundir as ideias do conservadorismo radical no velho continente, depois de já o ter conseguido no novo.
Com sede em Bruxelas, Bélgica, a fundação de Bannon chama-se The Movement e tem como principais funções a elaboração de sondagens, a investigação científica e a assessoria política aos movimentos e partidos de extrema-direita, não esquecendo a formação de quadros.
A fundação já existe desde janeiro, mas agora será um instrumento de influência nas mãos de Bannon. Foi criada por Mischäel Modrikamen, advogado e líder de um pequeno partido de direita radical belga, o Partido Popular, próximo do britânico Nigel Farage. «A minha estrutura já existia e encaixava no que Bannon queria criar», explicou Modrikamen ao Político. Bannon já conta com o apoio do UKIP (nacionalistas britânicos) e de Farage, ainda que estes não possam concorrer nas eleições europeias por causa do Brexit – um desfecho em grande parte conseguido pela influência do político populista na campanha para o referendo de 2016.
O receio do projeto de Bannon é tão grande entre os representantes da Comissão Europeia que, segundo o jornal britânico Independent, não querem o adiamento do prazo para a saída do Reino Unido da UE – 29 de março de 2019 – de modo a evitar que os britânicos votem nas europeias e deem mais peso político ao UKIP (atualmente tem 17 eurodeputados).
Para já, a fundação conta apenas com uma equipa de dez pessoas, número que se alterará em função do sucesso nas eleições europeias. Por sucesso, Bannon entende a criação de um «supergrupo» no Parlamento Europeu que aglomere todos os partidos populistas de extrema-direita.
Quanto ao financiamento, Bannon resolveu recorrer aos seus dotes financeiros de velho quadro da Goldman Sachs para criar uma criptomoeda que ajude a angariar recursos para as suas ambições. «As criptomoedas são uma forma perturbadora de populismo porque assumem um controlo que é das autoridades centrais», disse Bannon ao canal norte-americano CNBC. «Para mim, é óbvio que, a menos que controlem a própria moeda, todos os movimentos políticos estão sob a alçada dos que controlam a moeda. O controlo da moeda é o controlo de tudo», explicou. Numa Europa onde o euro domina, Bannon sabe que o desmembramento da UE passa pelo seu enfraquecimento, ainda que com passos pequenos e simbólicos.
Bannon não se esqueceu ainda das vantagens deste tipo de moedas para o avançar da sua agenda. Historicamente, os partidos de extrema-direita contaram com o apoio de grandes grupos económicos, mas no pós-II Guerra Mundial doar dinheiro para estas formações políticas tornou-se num pesadelo de relações públicas. Com o dinheiro digital, Bannon contorna esse obstáculo, tornando mais difícil saber a origem do dinheiro que recebe. A fundação poderá receber milhares de euros sem que os bancos centrais tenham conhecimento. Uma estratégia que partiu de inspiração improvável: George Soros.
Conhecido e vilipendiado pela extrema-direita europeia, o milionário americano de origem húngara criou a Open Society que, desde 1984, financia a difusão de ideias democráticas europeístas. «O Soros é um demónio, mas é brilhante», disse o Bannon numa entrevista ao Daily Beast. Se a inspiração foi Soros, a impulsionadora foi Marine Le Pen. «Só tive esta ideia quando Marine Le Pen me convidou para falar no congresso da Frente Nacional, em Lille», explicou.
Depois de sair da Casa Branca, Bannon passou pela Hungria, Itália, França e Reino Unido. Reuniu-se com Órban, com o ministro do Interior italiano, Matteo Salvini, Farage e Le Pen, tanto à porta fechada como à vista de toda a gente. E percebeu que os partidos de extrema-direita não têm a tradição de partilhar experiências e ideias entre si, falha que o The Movement pretende colmatar. Mas não terá a vida facilitada por quem diz apoiar.
O norte-americano é visto como um dos principais operacionais da extrema-direita a nível mundial, mas não tanto na Europa. Nos EUA foi um dos principais responsáveis pela normalização das políticas contra a migração e protecionismo económico com o site Breitbart News, mas na Europa desempenha um papel secundário – e os sucessos não se devem às suas ações.
Nos últimos anos, a extrema-direita europeia conseguiu passar das margens da política para o centro, ao mesmo tempo que centenas de milhar de migrantes chegavam às costas do sul da Europa e as políticas de austeridade pós-crise financeira emergiam milhões na pobreza. A imigração passou a ser uma das principais clivagens na política europeia e os imigrantes a serem usados como arma política para cativar eleitores.
Com o sucesso de partidos como a Frente Nacional (FN) francesa ou o Alternativa para a Alemanha, os partidos do centro-direita sentiram a pressão e começaram a adotar algumas das suas propostas, mas também os seus discursos, para evitarem hecatombes eleitorais. Um dos exemplos mais claros desta dinâmica é o da CSU na Baviera, o partido-irmão da CDU, liderado pelo ministro do Interior, Horst Seehofer.
Com milhares de refugiados e migrantes a entrarem na Alemanha pela Baviera, o AfD, com o seus discurso racista e xenófobo, conseguiu transformar-se no terceiro maior partido alemão, líder da oposição, muito pelo peso que conseguiu na Baviera. Com medo de perder eleitorado, Seehofer pressionou a chanceler Angela Merkel para fechar as fronteiras a novos refugiados e a acelerar as deportações.
Esta estratégia de competição com a extrema-direita tem normalizado o discurso e as medidas contra os migrantes, ao mesmo tempo que se mostra incapaz de travar o seu avanço. «Os partidos tradicionais, nomeadamente os do centro, movem-se nessa direção [da extrema-direita], copiando os radicais não apenas nos temas mas também nas políticas», escreveu Cas Mudde, politólogo especialista em populismo, num artigo de opinião no Guardian. «Apesar dos sucessos iniciais, como o de Sebastian Kurz na Áustria, a adoção pelo centro de uma estratégia de ‘direita radical leve’ não enfraqueceu significativamente os seus adversários», continuou. Por fim, Mudde deixa um aviso a todos os partidos tradicionais que têm seguido esta estratégia: «No final, quando a oposição à integração europeia e à imigração (muçulmana) dominam as campanhas, os eleitores nacionais vão escolher a versão original à sua cópia».
A Itália é hoje governada por uma coligação que integra um partido de extrema-direita, a Liga, liderado por Salvini. A Hungria caminha para um Estado «iliberal», como o seu primeiro-ministro gosta de a caracterizar. E na Polónia a separação de poderes entre o Executivo e o Judicial é cada vez mais uma miragem. Nas ruas europeias, milhares de militantes e apoiantes da extrema-direita marcham, com tochas e cânticos de pureza de raça, enquanto outros atacam e reduzem a escombros centros de acolhimento para refugiados.
É neste contexto de avanço e normalização da extrema-direita na Europa que Steve Bannon se junta às suas fileiras. Caiu de paraquedas na política europeia e nem todos confiam nas suas intenções. «Bannon é norte-americano e não tem lugar em nenhum partido político europeu», afirmou Jérôme Rivière, membro da FN francesa. E sobre a ideia de um «supergrupo» europeu, Riviére descarta-a: «Rejeitamos qualquer entidade supranacional e não participamos na criação de algo com Bannon». Ainda assim, Rivière não desvaloriza os contributos do norte-americano poderá dar à FN, afirmando que «poderá dar novas ideias e partilhar as suas experiências» – e as eleições europeias «são uma excelente oportunidade política para se construir uma maioria ou, pelo menos, ter suficientes eurodeputados para bloquear a forma como as coisas são habitualmente feitas na UE».
As desconfianças não se ficam pela questão da independência política. Gerolf Annemans, dos belgas do Vlaams Belang, receia que Bannon e a sua equipa, que inclui Farage e Laure Ferrari, diretora do Institute for Direct Democracy in Europe, estejam apenas à procura de emprego. «Se se tornar num instrumento para empregar Farage e Laure Ferrari, desejamos-lhe a melhor sorte, mas não queremos nada com ele», disse Annemans.