Jair Bolsonaro. A verdade é uma palavra que se pode usar de mentira

Jair Bolosnaro, o elogiador da ditadura militar que no tempo da tropa adorava ser agressivo a mandar, mas sem racionalidade nos seus argumentos, aparece à frente nas sondagens presidenciais sem Lula. As suas ideias extremistas cativam um eleitorado jovem sem memória da ditadura.  

Está em segundo nas sondagens para as presidenciais brasileiras sempre que Luiz Inácio Lula da Silva é incluído, mas sempre que o ex-presidente, atualmente preso, é retirado da lista de candidatos avaliados, o senador Jair Bolsonaro surge em primeiro e destacado. Com um discurso de extrema-direita, de elogios à ditadura militar brasileira, de defesa do recurso à violência para combater o crime e tiradas racistas e misóginas, Bolsonaro mantém intactas as suas pretensões de ser o próximo Presidente do Brasil nas eleições de outubro.

Uma sondagem divulgada pela DataPoder360 (divisão de sondagens do portal Poder360) na quarta-feira, em que Lula não surge entre as hipóteses (e se resumiu a pesquisa aos seis principais postulantes), Bolsonaro aparece à frente com 20% das intenções de voto, com mais 7% que o segundo na corrida, Ciro Gomes. O principal concorrente do deputado entre o eleitorado da direita, Geraldo Alckmin, do PSDB, é terceiro, com 9%. Valores que mostram, ao contrário do que muitos analistas e políticos diziam, que o projeto político de Bolsonaro conseguiu conquistar uma franja sólida do eleitorado que parece estar com ele sempre, independentemente do caráter mais ou menos ofensivo do seu discurso.

Na segunda-feira, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, para justificar a sua visão contrária às políticas de quotas para negros nas universidades, o deputado interpretou à sua maneira a história do tráfico negreiro dizendo que «o português nem pisava África, eram os negros que entregavam os escravos» e que a política de descriminação positiva «só visa dividir o Brasil entre brancos e negros».

O capitão na reserva está a tentar fazer uma campanha à moda de Donald Trump, em vez de limar o seu discurso para conquistar mais eleitores, acentua a polémica a cada declaração, num choque de aparente «verdade» que o transformou em genuíno aos olhos dos seus apoiantes. As suas ideias ‘fora da caixa’ dão-no como um outsider da política – mesmo que desde 1989 a sua vida não tenha sido outra coisa que a política. Primeiro como vereador do Rio de Janeiro, mas essencialmente como deputado federal, eleito sucessivamente desde 1991 até agora.

A voz «nova» que tanto cativa o eleitorado mais jovem (60% dos seus eleitores têm entre 16 e 34 anos e desses 30% têm menos de 24 anos) mantém as suas ideias e beneficia da mudança das mentalidades para que as mesmas ressoem como vanguardistas no dias de hoje, quando antes eram apenas expressões de uma minoria política de extrema-direita que nostalgicamente louvava os feitos dos militares que governaram em ditadura o Brasil entre 1964 e 1985. As suas ideias continuam a causar repulsa em grande parte do eleitorado – na sondagem do Poder360 é o candidato com maior taxa de rejeição, 66% -, mas agora atraem muito mais gente.

O Bolsonaro minoritário transformou-se em menos minoritário pela mudança demográfica, pela descredibilização da política, pelo aumento da violência, pela Operação Lava Jato, pelo espetáculo do impeachment, pelos problemas no PT. Com a democracia brasileira fragilizada, iniciou-se um processo de decomposição política que é favorável a candidatos como Bolsonaro, vistos como não tendo papas na língua e como ‘verdadeiros’, mesmo que essa ‘verdade’ seja muitas vezes a de ideias que atentam contra os direitos de minorias, contra os direitos das mulheres, contra os direitos dos homossexuais, contra os direitos humanos em geral. O candidato que se diz «preconceituoso, com muito orgulho» beneficia do facto de o Brasil viver um cenário fértil para o discurso do ódio.

Mesmo sendo tudo menos o político de ficha limpa que muitos dos seus apoiantes apregoam e confiam, Bolsonaro tem conseguido manter-se solidamente com a mesma intenção de voto há muitos meses.

Por exemplo, quase toda a gente sabe que Bolsonaro conheceu a sua terceira e atual mulher, Michelle de Paula Firmo Reinaldo, em 2007, quando esta trabalhava como secretária parlamentar na Câmara dos Deputados. Em um ano e dois meses que trabalhou para ele, foi promovida e passou a ganhar três vezes mais e casaram nove dias depois de ela ser contratada. Só a lei contra o nepotismo o obrigou a despedi-la.

Além de político, Bolsonaro foi militar, chegando a capitão e sendo classificado pelos seus superiores como detentor de «excessiva ambição em realizar-se financeira e economicamente» e sempre com muita ânsia de mandar nos seus oficiais subalternos, «no que sempre foi repelido, tanto em razão do tratamento agressivo dispensado a seus camaradas, como pela falta de lógica, racionalidade e equilíbrio na apresentação de seus argumentos», como escreveu o seu superior hierárquico, o coronel Carlos Alfredo Pellegrino.

Falhas de caráter e de atuação que não esvaziam o entusiasmo dos seus apoiantes, algo muito parecido com o que aconteceu com Trump, onde todas as falhas de caráter, todas as notícias negativas, ao invés de fazerem diminuir o entusiasmo, ainda o consolidavam, pois estes encaravam a sua luta política como uma cruzada política contra o mal instalado. E no tempo das redes sociais, que Bolsonaro tem explorado muito, a verdade conta muito menos do que a convicção.