Lisa Brennan-Jobs esteve ao lado do pai, o empresário Steve Jobs, até ao fim da vida dele, quando morreu de cancro do pâncreas, a 5 de outubro de 2011. Contudo, durante muitos anos, o cofundador da Apple rejeitou participar na vida da filha mais velha e quando o fez mostrou-se distante e pouco afetuoso. Agora, a jornalista Lisa Brennan-Jobs decidiu relatar em livro a relação conturbada com o pai. A obra, chamada Small Fry, só vai ser lançada em setembro, mas a revista Vanity Fair publicou esta semana um excerto que já desvenda alguns pormenores.
Na escola, falava com orgulho do pai aos colegas: «É famoso. Inventou o computador pessoal. Vive numa mansão, conduz um Porsche e compra um novo cada vez que o anterior tem um risco». Mas a verdade é que Lisa Brennan-Jobs passou por um longo e complicado processo para ser reconhecida como filha de Steve Jobs.
Nasceu a 17 de maio de 1978, quando os seus pais, Steve Jobs e Chrisann Brennan, tinham 23 anos. A mãe deu à luz na quinta de um amigo e Jobs ajudou no parto, apesar de dizer a todos que a filha não era dele.
Mãe solteira, Chrisann criou a filha com a ajuda financeira do Estado e com dois empregos. «Até aos meus dois anos de idade, a minha mãe complementava apoios governamentais com trabalhos de limpeza ou de camareira. O meu pai não ajudava», explica a jornalista.
O processo seguiu para os tribunais e em 1980 um fiscal distrital do condado de San Mateo, na Califórnia, determinou que Steve Jobs teria que pagar uma pensão alimentícia a Lisa Brennan-Jobs. O cofundador da Apple negou a paternidade, declarou sob juramento que era estéril – mais tarde casou e teve três filhos – e forneceu o nome de outro homem que dizia ser o verdadeiro pai de Lisa. «Para ele, eu era uma mancha num crescimento espetacular e a minha história não combinava com a narrativa de grandeza e virtude que ele queria para si mesmo. A minha existência arruinou o sucesso dele», afirmou a escritora.
No entanto, os exames de ADN provaram que Steve Jobs era realmente o pai de Lisa. E o tribunal ordenou que o empresário pagasse o ressarcimento dos gastos do processo à agora jornalista e uma pensão mensal de 500 dólares (cerca de 430 euros). «O caso foi concluído a 8 de dezembro de 1980, com a insistência dos advogados para encerrar o processo. Quatro dias depois, a Apple passou a ser cotada na bolsa e, de um dia para o outro, o meu pai estava avaliado em mais de 200 milhões de dólares (perto de 170 milhões de euros)», referiu Lisa Brennan-Jobs.
Os últimos dias de Steve Jobs
A relação entre pai e filha foi melhorando ao longo dos anos, mas nunca foi muito harmoniosa. Lisa Brennan-Jobs visitou regularmente o pai doente nos últimos anos de vida, na casa do milionário em Cupertino, na Califórnia. «No seu último ano de vida, visitei-o aos fins de semana em meses alternados. Já tinha desistido da ideia de uma grande reconciliação, como as que acontecem nos filmes, mas continuei a ir visitá-lo», afirma.
Steve Jobs estava bastante debilitado e os médicos já lhe tinham dado apenas uns meses de vida. «Ele estava na cama de calções e as pernas estavam nuas e magras como os braços, dobradas como as de um gafanhoto», escreve a filha do empresário sobre uma das visitas.
«Antes de me despedir, fui à casa de banho e pus um spray perfumado. Quando voltei para o quarto, ele levantou-se e, quando nos abraçámos, pude sentir as suas vértebras e costelas», relata Lisa no livro. Depois disso, a jornalista conta que o pai lhe disse que ela cheirava «a sanita», não perdendo a oportunidade de fazer um comentário desagradável sobre a filha.
Um pai milionário mas pouco generoso
O relacionamento entre o cofundador da Apple e a filha mais velha foi feito de altos e baixos. Lisa fala de bons momentos que passou com o pai, como quando já adolescente dormia uma vez por semana em casa de Steve Jobs, dado que mãe tinha de ir para a faculdade. «Nessas noites, nós jantávamos, ficávamos na piscina, assistíamos a filmes antigos», lembra a jornalista.
Contudo, o empresário também conseguia ser bastante arrogante e frio. Num nos dias em que ficou com o pai, Lisa perguntou a Jobs se podia ficar com um Porsche dele, isto porque a escritora tinha ouvido dizer que o milionário trocava de carro sempre que o anterior tinha um risco. «Claro que não», respondeu Steve, em tom amargo, segundo Lisa.
«Pensei que talvez o mito dos riscos no carro não fosse verdadeiro. Na altura, já sabia que ele não era generoso com o dinheiro, a comida ou as palavras. A questão dos Porsches parecia ser uma exceção”, conta a filha do co-fundador da Apple.
Mas o pior estava para vir. Ao chegar a casa, Jobs parou o carro e exclamou: «Tu não vais receber nada. Entendeste? Nada. Não receberás nada!». Lisa não sabe «se ele se referia apenas ao carro ou a outra coisa», mas afirma que «o tom de voz» a magoou «muito».
Um computador chamado Lisa
Steve Jobs tinha muita dificuldade em ser afetuoso com Lisa. Prova disso é que demorou décadas para admitir que batizou o primeiro Macintosh da Apple com o nome da primeira filha. Durante a gravidez de Chrisann, Jobs começou a trabalhar num projeto de computador a que acabou por chamar ‘Lisa’. Desde pequena que Brennan-Jobs pensava que o pai tinha dado esse nome ao computador em sua homenagem. Contudo, um dia perguntou-lhe e ele negou.
Anos mais tarde, quando Lisa tinha 27 anos, Jobs convidou-a para uma viagem de iate com a família pelo Mediterrâneo. Num dos dias de passeio, foram almoçar com Bono, o vocalista dos U2. Na ocasião, o artista perguntou a Jobs se o computador Lisa tinha sido batizado em homenagem à filha. Ali, Jobs disse que sim.
«Obrigado por ter feito essa pergunta. Foi a primeira vez que ele admitiu isso à minha frente», agradeceu Lisa a Bono na altura.