África, a evolução demográfica e o nosso futuro (1)

Os países africanos enfrentarão, nas próximas décadas, desafios tremendamente exigentes. Qualquer decisão de políticas a tomar em África deve ser da responsabilidade dos seus povos e dos seus representantes

As últimas ‘Perspetivas da população mundial: a revisão de 2017’ (‘World Population Prospects – The 2017 Revision, Key Findings and Advance Tables’), elaboradas pela Divisão da População do Departamento dos Assuntos Económicos e Sociais da ONU, contêm previsões que merecem ponderação e devem servir de referência na definição de estratégias de longo prazo.

A população do mundo passará dos atuais 7600 milhões de pessoas para 8600 milhões até 2030; após o que subirá para 9800 milhões até 2050, estimando-se que chegue em 2100 a 11200 milhões. Os pressupostos parecem razoáveis e realistas (p. ex., diminuição das taxas de fertilidade se bem que mantendo-se taxas ainda altas em muitos países em desenvolvimento; probabilidade de controlo ou atenuação dos efeitos em riscos pandémicos em virtude da atuação concertada das autoridades da saúde nacionais e internacionais) e, embora seja sempre difícil tentar ‘ler’ a 80 anos de distância, ainda que possa questionar-se esta ou aquela previsão concreta, existem tendências claras que merecem ponderação séria e ação rápida e concertada.

A mais relevante novidade que este Population Survey das NU nos traz é o crescimento da população da África subsariana. Hoje esta região é habitada por menos de mil milhões de pessoas (c. 13% da população mundial); estima o Survey que em 2050 tenha cerca de 2000 milhões de pessoas; e em 2100 deverão ser cerca de 4000 milhões de pessoas (c. 36% da população mundial). A população africana, que constitui hoje 17% da população mundial, representará cerca de 40% no final deste século.

 

Este aumento populacional deverá ocorrer por todo o continente africano. Assim, a população da Nigéria deverá ultrapassar a dos Estados Unidos da América por volta de 2050. E estima-se que a população de Angola cresça, até ao final do século, seis vezes (passando de c. 28 milhões em 2017 para c. 173 milhões em 2100). Por sua vez, Moçambique deverá passar dos atuais c. 29 milhões de habitantes para c.135 milhões no fim do século. 

Por outro lado, deverá manter-se a tendência para a concentração urbana. Grande parte desta evolução demográfica ocorrerá a par e passo com uma contínua migração do campo/interior para as cidades, em especial para as áreas metropolitanas, que se transformarão em mega-metrópoles. De acordo com um estudo de 2014 da autoria de Hoornweg, Daniel e Pope, Kevin (”Population predictions of the 101 largest cities in the 21st century”), 44 das 101 maiores mega-metrópoles do mundo em 2100, serão africanas, das quais 10 localizadas na Nigéria.

 

Os países  africanos enfrentarão, ao longo das próximas décadas, desafios tremendamente exigentes. Bem entendido, qualquer decisão de políticas a tomar em África deve ser da responsabilidade dos seus povos e dos seus representantes. Os desafios que este crescimento populacional em África vai provocar só podem ser resolvidos se houver uma clara vontade política dos governantes africanos e um claro empenhamento das suas elites na procura de soluções. Para este efeito é importante que estes estejam à altura das suas responsabilidades e tenham uma postura consonante com as aspirações, os objetivos e as estratégias vertidos na ‘Agenda 2063’ da União Africana, erradicando práticas egoístas e predatórias que se mantêm em muitos países.

Mas estas alterações significativas na demografia africana não afetarão apenas os países e os povos africanos. Os países europeus são certamente, por razões históricas, geográficas e outras, dos que mais serão afetados. E, embora estes desafios coloquem também oportunidades, a primeira tarefa que se impõe é apurar se é possível intervir no sentido de minorar os efeitos da previsível explosão demográfica.

 

Independentemente de medidas a ponderar no médio e longo prazos, parece claro que é essencial que no curto prazo a comunidade internacional diligencie no sentido de, tanto quanto possível em articulação com as respetivas autoridades africanas, promover e/ou apoiar programas e ações visando: (i) um mais acelerado declínio nas taxas de fertilidade em África; (ii) um incremento no uso de métodos contracetivos; (iii) a promoção generalizada dos benefícios de uma pequena família; (iv) a promoção dos direitos da mulher, com especial incidência no que tange à sua decisão de usar métodos anticoncecionais; (v) um forte investimento nos setores  da educação e da saúde, direcionado às mulheres.

Muitas destas medidas são contrárias à tradição e às práticas em muitas regiões em África. Mas sem elas ocorrerá o que o ‘Population Survey’ das NU prevê, com todos os aspetos dramáticos advenientes. Uma análise fria da história aconselha a que se definam estratégias partindo do princípio que a capacidade de intervenção política para gerar mudanças estruturais é diminuta. Em qualquer caso, este Survey das NU coloca desafios e abre inúmeras perspetivas em vários domínios relevantes para Portugal – no domínio económico, de política migratória, de política de segurança europeia, de política relativa à língua portuguesa, etc. Que abordaremos em próximos artigos.

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