Esta frase, fotografada em Lisboa, diz: «Na madrugada escrevendo ao lado da solidão, em cada linha escrita um pedação do coração…». Nela o autor revela-nos que escreve de madrugada, solitário, e que, em todas as linhas, coloca um «pedação» do coração; coloca, de forma rimada, um grande pedaço de si e dos seus sentimentos.
Ora, a escrita é uma atividade solitária, em que o escritor, no sossego de um espaço (mesmo num café confuso e barulhento, o escritor consegue isolar-se no seu mundo), frente a um computador ou a uma folha em branco, apenas está acompanhado pelas palavras que escreve e pelas personagens que cria. Como diz Jonathan Franzen: «Tornei-me um escritor que gosta de viver nos romances. Gosto de ter um romance em andamento porque é um “lugar“ onde posso ir todos os dias, pela manhã. E, desta forma, a minha vida tem sentido». Ou como afirma Lobo Antunes, que, quando acaba de escrever um livro, sente um vazio, porque deixa de estar acompanhado pelas personagens do livro.
Também Fernando Pessoa escrevia na companhia das várias personalidades que tinha, dos seus heterónimos e pseudónimos. Como diz Alberto Caeiro: «Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho: / O valor está ali, nos meus versos. / Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.»
Um romance ou um poema são a companhia de quem os escreve, e as palavras que ficam gravadas no papel ou no disco do computador são as palavras que viveram dentro dele, e que, recorrendo à imagem de Almada Negreiros, andaram «da cabeça para
o coração e do coração para a cabeça». O escritor solitário que gravou na parede a frase fotografada escreve o que sente, aquilo que tem dentro do coração, o que me parece ser feito com algum sofrimento, como se lhe custasse muito colocar em palavras o que sente.
Muitas vezes, a escrita é um ato doloroso, porque o escritor rememora momentos passados, de felicidade ou tristeza, mas que, quase sempre, acabaram. Há, pois, uma certa nostalgia em fazer reviver tais factos. Há também escritores que criam as suas personagens sem que estas o habitem, partindo de construções mentais e de um plano de escrita bem definido. Mas, também nestes casos, há um certo sofrimento, ao tentarem passar para o papel, da forma que melhor conseguem, o plano traçado.
Quem não sente o impulso de escrever talvez não entenda totalmente a dificuldade do escritor. Mas António Lobo Antunes explica-nos melhor essa ideia, quando João Céu e Silva lhe pergunta se sofre muito ao escrever: «Há instantes de intensa felicidade – às vezes sinto as lágrimas a caírem-me pela cara – e momentos de grande irritação (…). O material resiste, as palavras não chegam».
E, se importa perceber a perspetiva do autor, também é relevante percebermos porque ler é tão importante para o leitor. Diz o escritor Ken Follet, em entrevista, em Portugal, aquando do lançamento do seu mais recente livro: «Se lemos um romance vemos as coisas sob o ponto de vista de outra pessoa, alguém diferente de nós. Isso alarga os nossos horizontes e permite-nos olhar para uma situação a partir de um ponto de vista que não é o nosso. É desta forma que um romance pode mudar-nos. Ler romances, o hábito de ler livros, muda a forma como pensamos e isso torna-nos mais tolerantes e mais compassivos».
E, citando Afonso Cruz, acrescentaria: «Todos os leitores estão, na verdade, a ler a sua própria consciência. Seja quando abrem um livro, seja quando olham pela janela, porque, em ambos os casos, estamos a olhar para espelhos». No fundo, aquilo que somos reflete-se nos filtros que utilizamos para ver o mundo, e só encontramos aquilo que queremos ver. Porque, no fundo, nos sentimos uma estrela…
Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services