ASMR. O segredo para relaxar e dormir bem está no YouTube | VÍDEOS

Os vídeos “ASMR” – sigla inglesa de Resposta Sensorial Autónoma do Meridiano – estão a chegar a Portugal. Lá fora são um fenómeno

Contar carneiros já não funciona, beber leite quente também não, ver filmes só nos deixa ainda mais acordados e tomar um banho quente faz com que fiquemos na mesma. Depois de um dia cheio de stresse, de várias corridas para os transportes públicos e de várias tarefas domésticas em atraso, só apetece relaxar e ter uma boa noite de sono. Mas nem sempre é fácil: muitos portugueses têm dificuldade em adormecer. Já fizeram de tudo, mas, mesmo assim, continuam a ficar acordados até ‘às tantas’.

De acordo com um estudo realizado pela cadeia de lojas de mobiliário Conforama em janeiro deste ano, dois em cada três portugueses não dormem o suficiente. Descansam cerca de sete ou menos horas por dia e 49% dos inquiridos dizem não conseguir dormir bem durante a noite. E se lhe arranjássemos um incentivo para largar a televisão ou a Playstation e se agarrar ao YouTube? Pode parecer contraproducente, mas a verdade é que, para milhares de pessoas do mundo inteiro, resulta.

Por acaso já passou por este site de vídeos e viu as letras ASMR? É a sigla para Autonomous Sensory Meridian Response (Resposta Sensorial Autónoma do Meridiano, em português). Este é o termo usado para descrever uma experiência caracterizada pela sensação de relaxamento e pelo prazer que se sente no corpo e através de estimulações sensoriais (olfativas, auditivas, visuais, táteis e/ou cognitivas). Todos nós já sentimos uma sensação semelhante quando nos fazem cócegas suaves ou com um certo perfume, por exemplo. Parece que sentimos um arrepio, que ficamos com ‘pele de galinha’ e que levamos uma ‘injeção’ de relaxamento momentâneo perante um dado estímulo. Existem vários ‘triggers’ (gatilhos, em português) que desencadeiam esta sensação de bem-estar e relaxamento. Entre os mais conhecidos estão ouvir uma voz suave ou um sussurrar, ouvir sons repetitivos do dia-a-dia (como o virar de uma página ou o de uma escova a pentear o cabelo), ver alguém a desempenhar uma tarefa do quotidiano (cozinha, por exemplo) com gestos calmos e controlado ou ouvir elogios num tom suave e relaxante.

 

Um fenómeno em expansão

É provável que a maioria das pessoas não tenha ninguém que possa fazer estas coisas na hora de adormecer. Por isso, alguns cibernautas decidiram publicar vídeos no YouTube a fazer isso mesmo. Nascia assim uma verdadeira indústria.

Dados de 2015 publicados no site norte-americano SmartAsset mostram que alguns utilizadores dedicados a esta prática recebiam sete dólares por clique –este dinheiro diz respeito apenas a uma parceria com o próprio YouTube, alguns ASMRartists, como são conhecidos nos Estados Unidos, fazem ainda acordos com outras empresas para promover certos produtos. Só para se ter uma noção, o canal Gentle Whispering, um dos mais visitados dentro deste género, teve um total de cerca 56 milhões de visualizações em apenas três anos.

A moda do ASMR já chegou a todo o lado. Uma das investidas mais recentes foi da cadeia de mobiliário sueca Ikea, que este mês publicou, em parceria com a empresa de marketing e comunicação Ogilvy, um vídeo de 25 minutos chamado IKEA ASMR. “Queríamos gravar um anúncio sobre o regresso à faculdade e queríamos também ter algum conteúdo para publicar online. Sabíamos que os vídeos ASMR são muito populares, principalmente entre os jovens, estudantes universitários e trabalhadores do IKEA. Por isso, somámos dois mais dois”, explicou Kerri Homsher, responsável pela comunicação do Ikea nos Estados Unidos, ao site Adweek. “Os nosso produtos são feitos para ajudar as pessoas no dia-a-dia, a nossa solução para um quarto de um estudante ajuda-o a relaxar depois do estudo. Por isso, achámos que o conteúdo que íamos criar tinha de refletir isso mesmo.”

 

Os mais famosos

Basta fazer uma pesquisa rápida para perceber que os vídeos ASMR são muito populares no YouTube. O canal Gentle Whispering tem mais de um milhão de subscritores e, ao fim de mais de seis anos de existência, um total de 348 milhões de visualizações espalhadas por vários vídeos, onde Maria, uma mulher russa a viver nos Estados Unidos, interpreta vários papéis, como o de estilista, assistente de bordo ou massagista, falando diretamente para a câmara e criando a sensação de que o cliente é quem está a ver o vídeo.

Este método é usado também por Ema, a dona do canal Whispers Red. Tal como Maria, esta britânica varia entre vídeos de ‘roleplay’ (com personagens) e outros em que mostra um pouco do seu dia-a-dia e das suas preferências. Ema exibe a sua coleção de sapatos, algumas das suas receitas preferidas e até partilha algumas dicas de beleza que usa no quotidiano. Ativo desde 2013, este canal tem mais de 313 mil subscritores e conta com mais de 78 milhões de visualizações.

 

O fenómeno também já chegou ao Brasil. Mariane Carolina Rossi, jovem de Itapira, São Paulo, não se dedica apenas ao ASMR, mas esta é uma parte importante da sua vida como ‘youtuber’. Com vídeos dedicados aos mais diferentes temas, onde vários ‘gatilhos’ são acionados em conjunto com um português ‘açucarado’ muito relaxante, Carolina é seguida no canal Sweet Carol – dedicado praticamente ao ASMR – por mais de 290 mil utilizadores. Desde 2012, já acumulou mais de 46 milhões de visualizações.

Em Portugal, o fenómeno ainda não é muito conhecido, mas já começam a surgir alguns youtubers dedicados a este tipo de vídeos. Madame Butterfly ASMR é um dos canais mais conhecidos – tem mais de 18 mil subscritores, com um total de mais de um milhão de visualizações.

 

Banha da cobra ou poder de sugestão?

Foram feitos poucos estudos sobre esta prática, mas começam a surgir provas de que estes vídeos podem ajudar a melhorar a saúde dos utilizadores. Um estudo feito em 2015 por investigadores da Universidade de Swansea, no País de Gales, mostra que os vídeos ASMR diminuiram os efeitos de pessoas que sofrem de depressão e dor crónica. O mesmo estudo revela que as pessoas têm a sua primeira experiência ASMR ainda durante a infância e, na maioria dos casos, não através de vídeos, mas sim da interação com outras pessoas.

Entretanto, investigadores da Universidade de Sheffield estão a desenvolver vários estudos para perceber se estes vídeos também produzem outros efeitos no organismo, como mudanças no ritmo cardíaco na respiração.