A tragédia esteve iminente. Como muitos outros habitantes de Davle, pitoresca cidade do Vale de Vlatava, a não muitos quilómetros de Praga, Kvetoslava Dufkova, então com 14 anos na época, participava como figurante rodagem do filme de guerra americano A Ponte de Remagen, de John Guillermin.
O filme sobre a decisão do exército nazi de fazer explodir a última ponte sobre o Reno quando parte do seu exército ainda estava do lado de lá, transformou a cidade checa na cidade alemã de Remagen em março de 1945, quando o exército nazi em fuga procurava retardar a sua derrota. Os produtores da United Artists aproveitavam os ares de abertura da Primavera de Praga para filmar em cenários muito semelhantes aos da Alemanha do final da II Guerra Mundial. A escolha era, além disso, bastante económica tendo em conta a oferta de excelentes técnicos de cinema – a cinematografia checoslovaca era, no final dos anos 1960, uma das mais importantes da Europa.
«Lembro-me do barulho de uma coluna de tanques», recorda Kvetoslava Dufkova à AFP.
Quando as tropas do Pacto de Varsóvia invadiram o país para travar a abertura conduzida por Alexandre Dubcek, a suspeita da presença soldados alemães e americanos na zona de Davle colocou os comandantes de sobreaviso e a possibilidade de confronto com esses exércitos inimigos esteve prestes acontecer, quando, na verdade, os soldados encontraram figurantes checos e atores estrangeiros. «Os soldados ficaram perplexos ao dar de caras com um ‘exército alemão’. Estiveram horas a negociar», recorda, mas não foram capazes de perceber que estavam perante a ficção e não o real. Entre os cerca de 800 figurantes, também havia estudantes de Davle, vestidos com os uniformes da Juventude Hitleriana, o que baralhou ainda mais os invasores.
«A chegada dos soviéticos a Davle foi horrível. Um helicóptero sobrevoava nossas cabeças. Os soldados estavam visivelmente assustados, podia ter acontecido uma tragédia», recordou Antonin Dvorak de 78 anos, à agência AFP. «Alguém disse que Davle tinha sido invadida pelo exército americano e que deviam nos libertar. Não entendiam de todos porque é que as pessoas mostravam os punhos. Estavam muito nervosos, a tensão foi palpável durante um bom bocado», recapitula.
A produção apostara no realismo da reconstrução. A equipa de filmagem e os atores tiveram de fugir muito rapidamente, todos metidos em táxis a caminho de Praga para abandonar a Checoslaváquia o mais depressa possível, deixando para trás os tanques Sherman e Tiger e outros veículos usados no filme – algo que a propaganda soviética haveria de aproveitar muito bem, ao usar os adereços como um dos motivos para a invasão, mostrando aos soviéticos como ela era totalmente justificada por haver, a pouco mais de 20 quilómetros de Praga, tanques americanos e alemães.
Assim, o planalto de Davle não ficou ao abandono: a equipa de John Guillermin foi rapidamente substituída por cineastas moscovitas, com o objetivo de mostrar ao público soviético o cenário político na região.
No outono, foi dada permissão à produção para voltar por pouco tempo à Checoslováquia para gravar algumas cenas e o filme foi terminado na RFA e em Itália. A estreia aconteceu nos Estados Unidos em 1969.
A história é a de soldados americanos desesperadamente à procura de uma forma de cruzar o rio Reno para lançar uma grande ofensiva no centro da Alemanha e de soldados alemães que procuram defender desesperadamente esse último ponto que trava o avanço das tropas inimigas, chegando ao ponto de decidir que só fazendo explodir a ligação, sacrificando os soldados alemães que ainda estão para trás, poderão travar essa ofensiva.