É uma mega-investigação que começou em 2012 mas tem passado longe dos holofotes. O caso tem como peça central a Associação Industrial do Minho – agora em liquidação (ver texto ao lado) – e aquele que durante mais de uma década foi o seu presidente, António Marques, mas estende-se a outras empresas participadas – e em causa estão suspeitas dos crimes de fraude na obtenção de subsídios europeus, associação criminosa, falsificação e branqueamento. A complexidade do esquema é tal que se cruza com o processo Vistos Gold, com Ricardo Salgado e com governantes do executivo de Passos Coelho.
No inquérito, em que são ainda arguidas pelo menos outras cinco pessoas e quatro empresas, concluiu-se que as diversas empresas do universo AIMinho, ou seja, por esta participadas, conseguiram mais de 13 milhões de euros com recurso a esquemas que lhes permitiam receber fundos europeus a que alegadamente não teriam qualquer direito – proveitos ilegítimos através de operações financiadas pelo Fundo Social Europeu, pela componente nacional do Orçamento do Estado, quer pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER). Os valores em causa e a sofisticação dos procedimentos – que punham em causa o espírito de incentivo no contexto da União Europeia para um desenvolvimento harmonioso entre os diversos Estados-Membros – levaram mesmo o juiz Carlos Alexandre a determinar no início deste ano cauções muito pesadas, nomeadamente a de António Marques, que foi fixada em meio milhão de euros. Outros dois arguidos ficaram sujeitos a cauções de 10 mil e 50 mil euros – além de ficarem privados de exercer funções ligadas à obtenção de fundos sociais.
A teia para obter fundos europeus
O esquema passava por submeter candidaturas com o alegado interesse no desenvolvimento de projetos, ainda que o objetivo nunca fosse esse. Segundo o Ministério Público (MP), tais financiamentos, de que dependiam várias entidades, eram desvirtuados.
Os investigadores concluíram que por trás de várias entidades estava a AIMinho, com funções de organismo intermédio, a aprovar candidaturas, isto é, a AIMinho participava nessas entidades, conseguindo-se assim proveitos para a mesma.
Além disso, a investigação segue o rasto a um esquema de faturas falsas que permitiam que o dinheiro circulasse de forma aparentemente legal entre as entidades e ainda fugir ao fisco – só entre 2008 e 2013 a AIMinho terá emitido faturas falsas para as restantes entidades do seu universo num total de 1,8 milhões de euros, diz o MP.
Mesmo após terem conhecimento da investigação, os arguidos – segundo o MP, sempre liderados por António Marques – terão tentado continuar a receber fundos a que não teriam direito.
Da investigação destaca-se um contrato entre a Yeastwine e a Universidade do Minho: fez-se crer ao Organismo Intermédio do IAPMEI e a Autoridade de Gestão do Programa Operacional Regional Norte de que tinham sido prestados por professores daquela universidade serviços de consultoria científica que na prática nunca foram.
O esquema terá permitido um cofinanciamento público de mais de 75 mil euros, com dinheiro do FEDER. Mas a investigação considera que este é apenas um dos exemplos de faturação falsa.
Ao SOL, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) confirmou na sexta-feira oficialmente que ainda não foi proferido despacho de acusação neste caso, ainda que os dados recolhidos por este semanário apontem para uma investigação que está numa fase avançada.
Desde o início que as autoridades descrevem a conduta dos arguidos como proficiente e por isso perigosa, uma vez que dominarão os procedimentos relativos à obtenção de fundos, como também terão canal aberto com pessoas relevantes da política, incluindo membros do governo de Passos Coelho. Pessoas a que a investigação acredita que António Marques recorre sem pudor para alcançar o que pretende.
Os contactos privilegiados
Segundo o DCIAP, o então presidente da AIMinho tinha canal direto com governantes do governo de Passos Coelho. Na investigação é inclusivamente descrita uma ligação perto das 23h para Almeida Henriques, então secretário de Estado adjunto da Economia e Desenvolvimento Regional em que era feito um tratamento por «tu». Os factos descritos são para a investigação reveladores de proximidade e de acesso fácil que tinha ao poder, mas as ligações estendiam-se ao então ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, que o presidente da AIMinho contactou numa situação relacionada com a prestação de cuidados de saúde a cidadãos líbios em Portugal, algo que acabou por ser investigado no processo Vistos Gold – relativo à alegada atribuição ilegal de vistos dourados a cidadãos estrangeiros.
Mas as ligações ao poder não se ficavam pela política. António Marques, que tinha sido nomeado administrador do Banco Internacional de Crédito em 2002, acabou depois por passar a exercer funções como administrador da Tranquilidade, aquando da integração daquele banco no BES – a investigação acredita que tudo foi decidido ao mais alto nível, ou seja, por Ricardo Salgado. Mais tarde acabaria por passar a administrador não executivo da Tranquilidade e apesar de nunca ter desempenhado funções no BES ainda terá recebido montantes a título de rendimentos de trabalho, acredita a investigação. Durante todos os anos em que lá trabalhou auferiu das duas entidades mais de 3,5 milhões de euros.
Contactada ontem pelo SOL, a defesa de António Marques preferiu não fazer qualquer comentário sobre este caso.