Quem de 700 tira 40, fica com os candidatos à Operália. «Um objetivo concretizado», reconhece Luís Gomes. Desses, apenas uma dezena pode chegar à final. «Um sonho». Vencer dois prémios é «meio caminho para um sonho ainda maior». O de ter uma carreira «com papéis importantes nas maiores salas», reconhece ao b,i.
25 anos após o começo, o concurso aberto por Plácido Domingo para antecipar o futuro da ópera realizou-se pela primeira vez em Lisboa.
E não só aproximou o público como deu a conhecer Luís Gomes a uma audiência mais vasta. A Operália «é a maior competição mundial de canto», explica. «Foi muito importante ter vindo para Portugal e ser transmitida pela televisão. Criou-se uma imagem elitista da ópera. Um pouco como em relação a outras artes. Como ir a um museu e não saber interpretar uma peça», compara Luís Gomes. «É importante dar às pessoas essa opção [de ir à ópera] sem impor. Podem não gostar de um espetáculo, porque não gostaram do cantor ou da peça, mas se calhar numa próxima oportunidade adoram», defende.
Durante uma semana, o júri ouviu os candidatos e chegou às dez vozes finais. «A qualidade dos candidatos era enorme e estar nos 40 finais já foi muito importante», confessa. Luís Gomes não só escolhido entre os melhores dos melhores como venceu dois prémios: o prémio do público para Melhor Voz Masculina e o prémio Zarzuela (ex-aequo com Pavel Petrov, vencedor do prémio de Melhor Voz Masculina do júri). A zarzuela é um género lírico-dramática de origem castelhana com ligações ao paso doble e à tradição espanhola. O prémio «representa imenso» para Luís Gomes porque a «família dele está ligada à zarzuela»,
Na hora da vitória, o tenor alertou-o «para a necessidade de ser musicalmente muito preciso» porque «todos os grandes cantores se focam em estudar bem uma partitura e tentar dar algo deles», relata da conversa com Plácido Domingo. «E também estar feliz. Ir para o palco com alegria e coração», aconselhou o tenor.
O telefone ainda não parou de tocar desde domingo, o dia da grande final no São Carlos. «Ainda me estou a habituar», graceja. «Neste momento, não há ninguém no mundo da ópera que não me conheça», assume sem falsa humildade, porque «o concurso foi visto por toda a gente». Há contactos em curso com diversos diretores de casting. «Provavelmente, vou ter que fazer algumas audições», antecipa. O sonho é real e nunca esteve tão próximo mas vem de longe.
«Sempre adorei música. Abdiquei de muitas coisas. Muitas saídas com os amigos para ficar a estudar. Regrar-me para chegar a um nível elevado», recorda. Luís Gomes cantou fado, deu espetáculos de música pop mas após ter entrado para as aulas de canto, o professor mostrou-lhe ópera. E aí tudo mudou. «Ganhei o gosto. Quando decidi entrar para o Conservatório, conheci outras peças e vozes. Comecei a acreditar na minha voz e percebi que a ópera podia ser um caminho», descreve.
Além do canto, «há a parte teatral», define. «O ser ator, em conjunto com a técnica vocal, e a interação com os outros, fascinam-me. É provavelmente o espetáculo mais completo das artes performativas», considera.
No Conservatório, tomou a decisão. Aquele seria o caminho definitivo. «Ainda fiz o primeiro ano da Escola Superior de música como guitarrista mas não era bom o suficiente e gostava era de canto», recapitula. E já seguro da música enquanto projeto sólido de vida, decidiu «desafiar os limites» e juntar-se «aos melhores para estudar e trabalhar». Tirou a licenciatura e o mestrado em Londres. E participou num programa de jovens cantores na Royal Opera House, onde se fixou como residente.
Há dez anos a viver em Londres, voltou este ano a Lisboa para cantar n’Os Dias da Música e na ópera La Traviatta do São Carlos. «Se me dissessem há dez anos que tinha cantado na Royal Opera House mais de 100 vezes, ou ganho prémios, não acreditava».