Agosto trouxe um novo surto de turbulência às economias emergentes mais vulneráveis. A origem desta fragilidade, como em tantos outros casos passados (português incluído), está no acumular de desequilíbrios orçamentais e externos que se sustêm por períodos temporários de financiamento fácil. O poder político, focado nos seus incentivos eleitorais de curto prazo (nos países mais democráticos) ou deslumbrado pela aparência de poder absoluto (nos mais autocráticos) aproveita-se desta tendência e condena os cidadãos a ajustamentos duros quando a bonança inevitavelmente expira.
No caso das economias emergentes, o dólar costuma ser um barómetro de facilidade de financiamento. Períodos em que a moeda americana está mais fraca e com taxas baixas incentivam a esta forma de crédito externo, mais barato no imediato mas mais arriscado pois o tamanho da dívida está dependente da oscilação cambial. O comportamento típico de um estado que opera com défices orçamentais crónicos é abraçar esta benesse temporária não para corrigir o seu desequilíbrio de forma suave mas para exacerbar o risco de endividamento por via de mais défices orçamentais e comerciais… quando a fatura inevitavelmente chega, a população presente e futura paga a dobrar pela miopia tática dos seus líderes.
Desta vez Argentina e Turquia têm assumido destaque. Com o virar do ciclo de financiamento dólar as suas moedas têm sofrido perdas imensas por via da desconfiança de cidadãos e estrangeiros que optam por converter as suas poupanças/investimentos em reservas de valor mais estáveis. É interessante verificar que, se bem que a posição atual destas economias seja semelhante, estão a seguir em direções diametralmente opostas. A Turquia de Erdogan resvala paulatinamente para uma autocracia. A sua economia encontra-se debilitada por um acumular de défices e as suas instituições descredibilizadas pelo nepotismo cada vez mais evidente nas nomeações ministeriais e falta de independência do Banco Central. A Argentina por sua vez escolheu em 2015 inverter uma tendência cada vez mais ditatorial, personificada nas presidências Kirchner – que curiosamente chegaram ao poder no mesmo ano que Erdogan, 2003. Ao melhor estilo chavista – sempre sobre a égide de falso moralismo socialista – subjugaram a sustentabilidade económica do país à perpetuação do seu poder. O modus operandi nestes casos de hiperinflação socialista é mais que conhecido: um ciclo vicioso de impressão de moeda para pagar os défices ditos ‘sociais’, controlos de preços quando estes disparam como consequência, esmagamento de margens resultando na proliferação de falências e desemprego, mais impressão que leva ao colapso da moeda e a sua total descredibilização; pelo caminho são apresentados bodes expiatórios externos para tentar branquear a péssima gestão – especuladores e imperialistas costumam ser alvos fáceis.
Ao contrário da Turquia, a Argentina tem estado nos últimos anos a tentar corrigir os desequilíbrios acumulados. A herança de inflação é ainda pesada e o retirar de vários subsídios um processo complicado que origina sempre vagas de protestos. Porém, se os argentinos confirmarem nas eleições do próximo ano que é este o caminho que querem continuar a seguir, daqui a alguns anos terão a confirmação que conseguiram dar aos filhos um futuro bem mais promissor que a tragédia humana que persiste na surreal experiência venezuelana.
*Gestor fundo macro no BIG Bancode Investimento Global