Depois de estas semanas ter deixado dois filhos na escola pela primeira vez – um na pré-primária e outro na primária – aquela cena pareceu-me familiar. Embora com pelo menos mais 12 anos, a expressão tímida nos rostos novinhos fez-me lembrar as que encontrei nas escolas dos mais pequenos. Mas havia uma diferença: enquanto com eles senti que estavam bem entregues e que havia alguém do outro lado que iria esforçar-se para os receber bem e integrar, aqui o sentimento foi o oposto. Temi pelo que aconteceria a seguir.
A entrada na faculdade é uma altura especial e marcante, muitas vezes acompanhada de alguma insegurança. Difere de outras entradas anteriores porque mais do que qualquer outra é uma entrada solitária. Provavelmente não terão a companhia de amigos do liceu, que dificilmente irão para a mesma faculdade ou curso, muito menos dos pais – que os faria ser alvo de chacota para sempre – e várias vezes estão muito longe de casa. Mas poucos se compadecem desta vulnerabilidade. Muito pelo contrário. Há pouco controlo nas praxes, porque supostamente os estudantes universitários são jovens maduros e responsáveis que sabem o que fazem. Mas infelizmente muitas vezes acontece precisamente o contrário. São aqueles durões que escondem as suas maiores fragilidades e sentimentos de inferioridade e frustração que são os grandes protagonistas das praxes, usando-as para saciar o seu prazer de ver o outro sofrer ou sentir-se tão vulnerável quanto ele se sente no fundo.
As praxes mais feias e perigosas são precisamente movidas por estes sentimentos de sadismo e pelo desejo de exercer pequenos e cobardes poderes.
Mesmo as praxes mais ingénuas baseiam-se geralmente na humilhação, muitas vezes de cariz sexual. Talvez a intenção seja que os mais novos se unam e aproximem uns dos outros através das suas fragilidades e contra os mais velhos, os maus. Ainda assim parece-me que haveria maneiras bem mais saudáveis e prazerosas de o fazer.
Os estudantes de anos mais avançados podem ter o importante papel de receber e integrar de forma original e divertida os mais novos que estão desejosos de uma praxe condigna. Numa festa que aproxime todos e torne a entrada no desconhecido mais fácil. A integridade moral e física é um direito que tem de ser respeitado acima de tudo. As praxes têm ido demasiado longe e não só as que correram cruelmente mal. Por enquanto parece que o sacrifício dos caloiros passados serviu ao menos para acordar os responsáveis pelo meio académico para as atrocidades que podem ser feitas e para tentar pôr travão nisso. Este ano já se veem iniciativas mais saudáveis. Que o passado não caia no esquecimento e que não voltemos atrás. Que as boas vindas possam ser dadas de forma original, alegre e fraterna, que promova a aproximação de todos e o companheirismo. E quem achar que não tem piada fazer praxes assim, que brinque aos sádicos com colegas que partilhem a mesma convicção e deixem os inocentes de fora.