Para se ter ideia da importância da obra de Helena Almeida no circuito europeu da arte, há uma exposição da Tate Modern de Londres, onde se incluem as conhecidas séries Tela Habitada e Desenho (com pigmento), patente até 4 de novembro. No entanto, não escondia alguma desilusão com o menor reconhecimento em Portugal. «A minha obra é vista de outra maneira noutros sítios», reconhecia em entrevista ao Expresso sobre esse desinteresse.
Uma das mais importantes artistas portuguesas do século XX partiu sem aviso aos 84 anos quando estava na sua casa em Sintra. Representou Portugal na Bienal de Veneza por duas ocasiões: em 1982 e em 2005; e em 2004, participou na Bienal de Sidney. Era reconhecida no circuito institucional e em galerias de prestígio. A sua última grande exposição antológica em Portugal foi Helena Almeida: A minha obra é o meu corpo, o meu corpo é a minha obra, em 2016, no Museu de Serralves. O Museu Jeu de Paume, em Paris, e o Wiels em Bruxelas também lhe dedicaram grandes exposições. Em 2017, a exposição individual Work is never finished esteve patente no Art Institute, em Chicago.
De facto, o seu corpo era a sua ferramenta. Filha do escultor Leopoldo de Almeida, nasceu em Lisboa em 1934 e estudou Pintura na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa. Adorava banda desenhada e delirava com Walt Disney. Em 1964, prossegue os estudos em Paris, com uma bolsa da Fundação Gulbenkian. Expõe pela primeira vez em 1967 na Galeria Buchholz mas é no pós-25 de abril que descobre a sua principal marca identitária: o corpo, através de marcantes autorretratos a preto e branco que interrogam a representação do corpo da mulher.
Explora-o recorrendo a diferentes suportes criativos como a pintura, o desenho, a gravura, a instalação e o vídeo mas sobretudo a fotografia. E sempre como parte integrante da sua obra. «Faço sempre desenhos das situações que quero fotografar. Aliás, a partir da década de 80 passo a usar o vídeo para experimentar, porque um gesto pode ser muito enganador: uma mão mais para o lado é já outra coisa. Então, ensaio primeiro com a câmara […]. Eu quero a fotografia tosca, expressiva, como registo de uma vivência, de uma ação», explicava na entrevista ao Expresso. No entanto, frisava, o seu trabalho apenas encontrava na fotografia «um meio» para atingir uma expressão definitiva.
«Nunca fiz as pazes com a tela, o papel ou qualquer outro suporte. Creio que o que me faz sair do suporte, através de volumes, fios e de muitas outras formas, foi sempre uma grande insatisfação em relação aos problemas do espaço», explicava na inauguração da mostra de Serralves ao Diário de Notícias.
Marcelo Rebelo de Sousa lembrou o «talento inevitável, que influenciou tantas gerações de artistas portugueses e internacionais». Para o curador e amigo Delfim Sardo, o obra de Helena Almeida «tem todas as características para um ser trabalho pioneiro na contexto da europeia». Uma opinião subscrita e reforçada pela galerista e colecionadora de arte Maria da Graça Carmona e Costa, recém-galardoada com a Medalha de Mérito Cultural pelo Ministério da Cultura. «A forma como ela trabalhou a fotografia, o autorretrato, era única no mundo», declarou ao SOL. «Foi uma artista extraordinária. Sempre desenhou e pinto mas depois seguiu a fotografia com o corpo dela. Sempre muito completa com fotografias diferentes».
A vida de Helena Almeida era a obra de Helena Almeida. Vivia rodeada por arte, como uma ilha cercada por mar. Cresceu a observar o pai no ateliê – Leopoldo de Almeida foi autor, entre outras obras, do conjunto escultórico do Padrão dos Descobrimentos, e um dos mais reconhecidos escultores do seu tempo, e trazia sempre por perto o marido, arquiteto e também escultor Artur Rosa. Este fotografava-a quase sempre em todas as obras «porque é importante que as fotografias aconteçam no lugar físico em que eu as pensei e projetei», justificava ao Expresso.
Há dois anos, na citada entrevista ao Expresso, reconhecia já não ter a energia «a energia dos 40 ou dos… 30» mas asseverava continuar até ao fim. «Enquanto puder, faço». E continuou a fazer no ateliê de Campo de Ourique onde diariamente usava o corpo como matéria criativa de trabalho.
O olhar sobre o corpo feminino foi muitas vezes encarado como um gesto feminista. Vínculo que recusava, afirmando que «já não há razão para ser feminista na Europa», na entrevista de 2016. «Aqui na Europa não há razão para sermos feministas. Pode haver espaço para um pós-feminismo, por razões de ordenado, de trabalho ou de os homens baterem nas mulheres. Mas se batem nas mulheres é porque são brutos, porque foram criados na brutalidade», defendia.
Em Madrid foi recentemente inaugurada a mostra Dentro de mim na galeria madrilena Helga de Alvear.