Quando as crianças nos tiram do sério

Bem tentamos manter a calma, mas as crianças levam-nos à beira da loucura, sobretudo quando estamos cansados

Com a adaptação ou readaptação à escola depois de três meses de férias algumas crianças chegam a casa impossíveis. Cá em casa são todas. Cada uma à sua maneira. 

Há uma série de mudanças que ocorrem em pouco tempo e, como em tudo, a criança necessita de um período de ajustamento. Novos horários, novos ritmos, aprendizagens novas, estar longe de casa, mais despedidas, às vezes a primeira entrada para a escola, ou uma escola diferente, novos colegas, novos professores… Chegam ao fim do dia estourados, física e emocionalmente, mas em vez de caírem para o lado como nós, parece que as emoções vêm à flor da pele, e quando se veem connosco e se sentem seguras, abrem o saco e salta tudo cá para fora o mais desorganizado possível: choram, gritam, fazem disparates ou batem uns nos outros e tornam os finais de dia, que podiam ser prazerosos e de reencontro, num total desespero. Nós que somos os crescidos tentamos contê-los, compreendê-los, mimá-los, distraí-los e sobreviver, mas no fim estamos tão ou mais exaustos e desesperados do que eles.

 

Há mil teorias a defender que os pais não se exaltem, que os ambientes sejam sempre pacíficos e construtivos, que os lares sejam sempre felizes sem choros nem birras, mas quanto a mim é simples. Nós bem tentamos, mas as crianças deixam qualquer um fora de si. Levam-nos à beira da loucura, sobretudo quando também nós estamos cansados, mesmo que contemos até 2000, façamos ioga e tai chi cinco vezes por semana, tenhamos lido todos os manuais de educação parental e frequentado todos os cursos exaustivos sobre o tema. Somos humanos e movemo-nos sobretudo por sentimentos. E ainda bem. Zangamo-nos com a mesma espontaneidade com que abraçamos. E no fundo somos emocionais como eles, mas com um pouco mais de juízo e contenção e cheios de boa vontade.

Felizmente quando tudo acalma e revivemos os acontecimentos, eles já não nos provocam tanto desespero e é difícil perceber por que, uma hora antes, tínhamos vontade de nos atirarmos pela janela e de esganar toda a gente. Começamos a imaginar o dia seguinte, já refastelados no sofá, planeamos estratégias infalíveis, organizamos tudo na nossa cabeça e acreditamos que tudo correrá melhor e que seremos exemplares. Não guardamos rancor nem amuamos – tal como eles quando nos zangamos demasiado – e usamos a noite para nos revivificarmos. Sobretudo se tivermos direito a um sono sem interrupções. No outro dia, ou no seguinte, é certinho que tudo irá repetir-se. Mas não vale a pena desesperar, estamos todos em crescimento e adaptação e não há fórmulas mágicas. A verdade é que às vezes as crianças se tornam impossíveis e, quantas mais forem, mais impossíveis serão, deitam tudo para fora e o que sentem anda a pairar audivelmente pela casa, pelo carro e pelas ruas por onde passamos. Um dia estarão mais arrumadas e aprenderão, como nós, a selecionar e pensar as emoções difíceis, sem deitar a casa abaixo, até porque tiveram alguém que os acompanhou em todo este difícil processo. Até lá vamos sobrevivendo, vamo-nos arrastando e tentando manter a calma e a sanidade mental, tendo como certo que um dia tudo estará mais calmo e, acima de tudo, que não estamos sozinhos nesta nau dos loucos.

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