Durante o julgamento, esta terça-feira, dos 17 agentes da PSP da esquadra de Alfragide acusados de racismo, tortura e difamação, duas das alegadas vítimas recordaram os momentos vividos no dia 5 de fevereiro de 2015.
Já depois de ser encaminhado o Hospital da Amadora, onde foi tratado devido aos disparos por balas de borracha no joelho, e a caminho do centro de detenção, Celso Lopes, citado pelo Diário de Notícias, lembra que o agente lhe pediu para parar de fingir que sentia dores. De acordo com o antigo morador da Cova da Moura, de 36 anos, na altura terá respondido ao polícia que se este “tivesse levado um tiro à queima roupa também não estaria a fingir”. A resposta do agente, que deixou Celso “chocado”, não tardou em chegar: “Se fosse eu, tinha-te dado um tiro na cabeça”.
Celso Lopes, que está a ser ouvido em tribunal pela segunda vez neste processo, recordou também os momentos em que sentiu os disparos.
"Fui aguentando a dor, dizendo para mim mesmo 'isto não é nada', porque uma das coisas que aprendemos no bairro é que uma mentalidade forte pode mudar muita coisa", afirmou, citado pelo DN.
Já no estabelecimento policial, a alegada vítima terá visto a sua defesa, André Ferreira, que não se terá apresentado de imediato. Já depois de perceber o estado de saúde de Celso, o advogado pressionou para que uma equipa médica se dirigisse à esquadra. O homem recorda o espanto de uma das paramédicas aos ferimentos e a forma como, depois de ser chamada ao gabinete do chefe de esquadra, a sua “postura” estava “completamente diferente”, como quem queria despachar o assunto.
"Todos os agentes perceberam o que fizeram e começaram a segredar. Toda a gente ficou parva. Mas mesmo assim o agente que me baleou não mostrou qualquer tipo de arrependimento", recordou, de acordo com o DN.
Esta terça-feira, Celso Lopes recordou o seu último depoimento, mas mudou o relato para dizer que houve um dos agentes que o terá marcado pela positiva, apesar de não saber identificar a pessoa em questão. Mas a violência verbal continuou.
"Então vocês vieram invadir a esquadra, pretos do car****. Um dia, vamos acabar com a vossa raça. Deviam ser levados ali para onde estão os violadores, levar com o cabo de vassoura pelo rabo acima e comer comida envenenada" , recordou.
"Nasci num bairro onde aprendemos a lidar com as situações mais difíceis que podemos imaginar. Fui, por isso, uma pessoa sempre capaz de superar várias coisas e nunca fiquei com sequelas. Mas este episódio fez-me ficar paranóico", respondeu, depois de questionado acerca dos efeitos daquele dia na sua vida.
Celso, que em tempos foi rapper, foi também questionado se alguma vez criou versos contra a ação policial nos seus temas, a discussão terminou com a sua resposta.
"A polícia é um bem necessário. Não posso jamais culpabilizar uma instituição inteira por uma situação. Não posso rotular toda a polícia nem dizer que qualquer profissional é tão culpado como aquele que fez mal ao meu bairro", disse.
Também Miguel Ângelo Reis, de 22 anos, ia ser ouvido nesta audiência, mas, devido ao tempo, vai continuar o interrogatório na próxima sessão.
Além de Celso Lopes e Miguel Reis, também Bruno Lopes e Flávio Almada já haviam sido ouvidos no Tribunal de Sintra acerca deste caso.