Numa cidade ideal, com os cidadãos ideais, a Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL) não seria precisa, tal como nenhuma outra empresa à sua semelhança. As palavras são do presidente da EMEL, Luís Natal Marques, que as justifica com os números mais recentes da fiscalização da empresa e que mostram que o mau estacionamento continua a ser um problema na cidade: este ano, entre um de janeiro e 19 de setembro, a EMEL passou mais de 271 mil multas.
Segundo os dados avançados ao SOL, registaram-se, por exemplo, 28794 infrações por estacionamento em lugar reservado a cargas e descargas, paragem proibida ou tomada e largada de passageiros – menos, ainda assim, 6244 do que em igual período do ano passado. Já o estacionamento em zonas destinadas em exclusivo a residentes, que também está entre as infrações mais praticadas, sofreu um aumento: se no ano anterior se verificaram 15300, este ano subiram para 15833. E apesar de o cerco ter apertado ao estacionamento na faixa de rodagem em segunda fila, essa continua a ser uma das infrações mais registadas e até aumentou, de 2657 para 3606 vezes.
Contudo, há duas infrações que este ano se destacam pela positiva: o estacionamento a menos de cinco metros das passadeiras foi autuado pela empresa 2853 vezes – menos do que no ano passado, quando chegou às 3153 infrações –, e parece haver um maior respeito quanto ao estacionamento em lugar reservado a deficiente, que este ano foi apanhado nos radares da EMEL 3398 vezes, menos 252 do que em período homólogo no ano passado.
As infrações mais cometidas, porém, continuam a relacionar-se com o pagamento de parquímetro na via pública. Os títulos com tempo excedido estiveram na base de 82748 infrações, enquanto a ausência de título foi registada 72174 vezes – em 2017, os números tinham chegado a 88623 e 84522 respetivamente. E atenção: se é daqueles que acha que existem uns minutos de tolerância depois de o tempo acabar, desengane-se. «Não há tolerância. Por vezes as pessoas dizem que o fiscal podia ter uma atençãozinha, mas é bom também que as pessoas percebam que estamos a aplicar a lei e a aplicação da lei não pode estar na displicência do fiscal», justifica Luís Natal Marques.
De resto, os números que espelham as práticas de estacionamento na cidade este ano revelam uma tendência que parece indicar que os automobilistas estão mais atentos e evitam ao máximo a tão temida multa: entre as 16 infrações mais encontradas pelos fiscais da EMEL, apenas duas – estacionamento na faixa de rodagem em segunda fila e estacionamento em zona exclusiva a residentes – registaram um aumento em comparação com o ano anterior.
Criação de alternativas
Todos os dias entram em Lisboa 370 mil carros, que se juntam aos 200 mil que pertencem aos moradores. E como assinala o presidente da EMEL, «62% das infrações são cometidas por pessoas que não são de Lisboa, o que vem confirmar os tais 370 mil veículos que entram na cidade e a dificuldade que a cidade tem em acomodá-los todos».
Essa é, aliás, uma das principais queixas dos automobilistas, que reclamam que existe uma quantidade insuficiente de lugares para o número de carros a circular na cidade, obrigando muitas vezes quem conduz a cometer infrações, como o estacionamento no passeio ou em segunda fila. Isso é especialmente visível nas zonas mais negras da cidade e que, segundo o responsável, se localizam ao longo de todo o eixo central da cidade. «Avenida da República, Avenida Fontes Pereira de Melo, Avenida da Liberdade, zonas históricas e zonas de diversão são os locais com mais contraordenações», esclarece.
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Mas Luís Natal Marques contra-argumenta: «existe um piso inteiro de estacionamento que esta fechado por baixo do Marquês de Pombal porque não tinha utilizadores. Na Praça da Figueira há outro piso fechado. No Martim Moniz igual. Ou seja, o estacionamento existe, mas as pessoas entendem que preferem fazer o estacionamento à superfície». O presidente da EMEL reconhece, contudo, que essa preferência pode ser justificada pelos valores praticados nos parques de estacionamento, significativamente mais elevados do que as taxas do estacionamento na via pública: «Em rigor, as boas práticas de vários países mostram que o estacionamento à superfície é mais caro do que nos parques. Porquê? Para obrigar as pessoas a estacionarem em baixo. Mas em Lisboa não é essa a prática. Na verdade, sabemos que é mais caro estacionar no parque do que à superfície, mas essa será uma evolução que tem de ser feita no sentido de se os estacionamentos existem, os carros não têm de ficar à superfície e devem dirigir-se a um estacionamento que existe e que teve um investimento». E o que falta para que isso aconteça? «Falta uma evolução do tarifário do estacionamento à superfície que leve as pessoas a mudarem o seu comportamento. E isto depende do município e da Assembleia Municipal, que aprova em última instância as taxas, porque também é bom que se diga que todas estas regras que a EMEL aplica, aplica-as porque está no regulamento e na lei. Nesse aspeto não somos nem podemos ser criativos, é aquilo que a lei manda e pronto», esclarece Luís Natal Marques.
A criatividade é possível, sim, na criação de respostas que desincentivem o uso do carro. E a empresa tem estado a fazer esse trabalho, de que é exemplo, aliás, o parque de estacionamento da Ameixoeira.
Mais parques em construção
«É um parque que fica à boca do metro e junto de transportes da Carris. É um parque em que a pessoa, desde que tenha o passe mensal de transporte público, paga 50 cêntimos por dia para ter o carro estacionado. Já a tarifa mais barata que a EMEL tem é 80 cêntimos por hora, a verde. Portanto, uma pessoa que venha para Lisboa para ficar por exemplo das nove às 19h paga 8 euros na tarifa verde. Se deixar o veículo nesse parque dissuasor paga 50 cêntimos», explica o responsável, que diz ainda que estão em processo de construção outros dois parques: um de 411 lugares na zona do Areeiro e outro com dois mil lugares em Carnide.
«Há uma série de parques em projeto na periferia, para que as pessoas deixem aí os veículos. A própria Carris está a fazer um investimento significativo na aquisição de novos autocarros, mais limpos do ponto de vista ambiental e que através desse reforço pretende-se também desmotivar a que as pessoas tragam o veículo para o centro da cidade. Há toda uma política que o município está a levar a cabo e que visa a motivação para que as pessoas deixem o carro na periferia ou desde a origem prefiram vir de transporte publico para que a cidade seja mais convivial e saudável», acrescenta.
A par dos parques desincentivadores, as bicicletas GIRA também são parte da estratégia. E estão a cumprir o objetivo, garante Luís Natal Marques. «A ideia é que as pessoas cheguem no transporte público e façam aquela última milha na GIRA» até ao trabalho.