O mundo continua viciado em dívida. Uma década após a Grande Crise deflagrar, a economia mundial encontra-se ainda mais alavancada do que na altura. Este stock gigantesco é a maior âncora ao crescimento económico que no passado possibilitava um aumento da qualidade de vida de geração para geração. O mundo parece cada vez mais um indivíduo desesperado que paga um cartão de crédito com outro.
Não devemos cometer o erro de vilificar todas as formas de crédito. No seu uso mais benigno, permite a quem não tenha acesso a capitais próprios não esteja impedido de pôr as suas ideias de investimento em prática, desta forma assumindo uma função democratizante. O problema surge quando existe a tentação de usar este mecanismo para financiar consumo. Governos procuram apropriar-se de recursos futuros para aumentar as hipóteses de estender o seu ‘reinado’. Contraiem crédito em nome dos contribuintes pois sabem que têm muito a ganhar no curto prazo e pouco a pagar no longo. Este tique é óbvio tanto na geração de défices correntes como em termos de obrigações futuras: promessas de transferências sociais que por muito impagáveis que sejam produzem sempre ganhos de popularidade presente. Os custos, esses são invariavelmente atirados em forma de batata quente para o futuro. Existem ainda outras formas em que os governos fomentam o vício de dívida nas economias. A discrepância entre o tratamento fiscal para juros de dívida empresarial e dividendos sempre foi, a meu ver, uma aberração conceptual. Cria um incentivo para que as empresas procurem a estrutura de capital mais alavancada possível. Após décadas deste ciclo de políticas chegamos ao limite com famílias, empresas e estados totalmente sobreendividados.
Qual será a solução para este grande Ponzi? Incumprimentos em massa seriam uma receita para nova e profunda recessão sem que o paradigma fosse realmente alterado. No domínio do endividamento público existem cada vez mais países que inscreveram travões constitucionais que minimizam os incentivos perversos de ciclos eleitorais curtos. Temos os que criaram estes limites já em desespero de causa – caso da limitação de despesa pública em vigor no Brasil; os que acataram a linha orientadora do seu bloco monetário – caso do artigo de neutralidade orçamental da constituição italiana; e aqueles que preventivamente desenharam regras para limitar o risco de descontrolo nos gastos públicos – casos do limite calibrado às receitas da Suíça ou o tecto anual imposto ao défice estrutural alemão.
Seria um debate importante de se ter em Portugal, sendo nós um país com uma atração fatal pelo endividamento. Contudo o poder político encontra-se mais entretido com as benesses estratégicas que irá distribuir em ano eleitoral do que em promover discussões estruturais. É por isso que olho com alguma esperança para uma nova geração que abraça a sharing economy – componente relevante da revolução digital em curso. Pode ser uma via para a utilização mais sustentável de recursos e um estilo de vida mais comunitário. Desta forma, a classe média poderá viver sem o dogma imposto anteriormente que ditava a obrigação de arranjar emprego para arranjar empréstimo para comprar casa e carro. É um exemplo claro que a sociedade civil moderna já está a caminhar nessa direcção, apenas se pede ao poder político que não atrapalhe, não continuando a subjugar essa nova geração aos privilégios dos lobbies do passado.
Gestor fundo macro no BIG – Banco de Investimento Global