Pacheco Pereira e Isabel Pires de Lima, insuspeitos de reacionarismo, conseguiram travar aquilo que já se estava a montar como a última estrangeirinha em matéria de censura lusitana. Ambos administradores em Serralves, vieram dizer que não tinha havido censura das fotos de Robert Mapplethorpe. Foi quanto bastou para matar o assunto. Até esse momento, porém, viveram-se dias de polémica.
A polémica das fotos de nudez e sexo de Mapplethorpe nasceu no dia a seguir à nomeação da nova procuradora da Justiça, àquele ritmo ao qual já nos habituámos a viver de uma polémica semanal a nascer das cinzas da anterior. Da Justiça para o sexo, não tem nada que enganar.
Já passou a fúria das redes sociais, mas apetece-me revisitar o tema, porque vale a pena. A ideia ocorreu-me quando estava no meio do museu nacional Grão Vasco, em Viseu, no fim de semana passado, com os nossos adolescentes. Entrámos por ali como sempre, com os adolescentes a arrastar os pés e a dizer que não gostavam e não queriam. Tenho para mim que os museus e atividades culturais são como a sopa, os legumes, lavar as mãos e os dentes: não é para gostar, é para fazer. É um hábito que se inculca e fica para a vida. Não é negociável.
Deixámo-los à vontade, a descobrir por eles próprios, a chamar a atenção para algumas coisas, movidos pela curiosidade, a fazer perguntas. Demorando-se em frente aos painéis da vida e paixão de Cristo, é o rapaz que me chama a atenção para uma cena e me pergunta se é uma circuncisão. Face à minha hesitação, ele mostra-me uma faca ensanguentada em plano menos visível.
Voltando à polémica, chocaram-me várias coisas.
A primeira, a ausência da ideia – para mim assente e simples – de que há coisas que são para adultos. Conversas, lugares, exposições, filmes. A obra de Mapplethorpe, a exposição, é para adultos. A obra, relevante, é um todo coerente para adultos.
Por outro lado, retirar-lhe algumas fotos, isso sim, seria amputá-la de forma inadmissível. Seria o mesmo que agarrar no filme O Império dos Sentidos de Oshima e retirar-lhe algumas cenas. Não adianta: a carga sente-se desde o primeiro instante, tudo aquilo é erótico do primeiro ao último frame.
Esta distinção está a desaparecer na nossa sociedade. Ao invés, parte-se do pressuposto de que todos os conteúdos são para todos os públicos. E não são. É criminoso amputar bocados de obras para adultos. Mas é muita falta de senso pretender esconder que são para maiores de idade.
Não me peçam para achar normal que adolescentes que ainda se rebelam contra a sopa e os legumes, e não querem lavar as mãos e os dentes, já estejam preparados para entrar num museu de referência como Serralves para ver sexo puro e duro.
E, sim, acho mesmo que os pais e os museus nacionais ainda servem para educar os menores de idade.