O despertador toca todos os dias à mesma hora. Uma hora depois estamos a deixar as crianças à porta da escola. Enfrentamos o trânsito para chegar ao trabalho na companhia de um programa de rádio. Seguem-se oito horas de e-mails, telefonemas, reuniões, pedidos urgentes, simulações, apresentações. Pelo meio interrompemos uma hora para almoçar. Ao final do dia mais trânsito, ginásio para alguns, tarefas domésticas para a maioria. Jantamos, relaxamos em frente à televisão antes de adormecermos e começarmos tudo de novo no dia seguinte. Ao fim de semana é diferente, dois dias em cada cinco. Quarenta e tal anos desta rotina até que um dia nos reformamos.
É normal que ao longo deste enorme período surja o desejo de mudar de vida, de viver outra realidade. «Vamos viver para o campo e ter mais tempo para acompanhar as crianças, sofrer menos stresse» é um pensamento que já todos ouvimos várias vezes, se calhar até dentro das nossas cabeças. Mas são muito poucos os que arriscam seguir esta via e arrancam para o seu sonho de gerir um turismo rural, uma produção de frutos silvestres ou uma escola de surf num recanto do litoral. Conseguir ser funcionário de uma empresa fora das grandes cidades é muito difícil. Não sei se este movimento é uma fuga da rotina ou se procuram apenas que a rotina seja outra, mas seja qual for o motivo e a motivação não é este o caminho que a maior parte das pessoas quer fazer.
Os problemas de vida nas cidades resolvem-se melhorando a forma como vivemos, aumentando a sustentabilidade dos grandes centros, pois é aqui que a maioria das pessoas prefere viver. Estima-se que, em 2050, 68% da população mundial viva nas grandes cidades. Esta é uma das conclusões do estudo global Prosumer Report ‘New Cities, New Lives’ que o Grupo Havas apresentou recentemente, onde analisa a evolução da vida nas cidades, identificando alguns dos maiores desejos e expectativas dos seus habitantes. As pessoas querem continuar a viver em espaços urbanos, fugir para o campo não é o desejo da maioria nem uma forma de resolver os problemas de sustentabilidade das cidades.
Os Millennials são o grupo etário que mais defende este tipo de evolução. Reconhecem que para estar a par da evolução tecnológica, ter acesso à melhor educação e às melhores experiências culturais, têm de viver na cidade – e não estão disponíveis para abdicar desta oferta. Outro aspeto importante é a consciência do custo de vida das cidades. Mesmo não sendo uma solução completamente estabelecida e disponível para todo o tipo de produtos e serviços, a economia partilhada é vista como parte fundamental da solução: para usufruir não é preciso possuir e é preferível ter menos espaço num apartamento, por exemplo, mas viver num condomínio com maior oferta de infraestrutura ou serviços que possam ser partilhados por todos os condóminos.
Esta relação das pessoas com os espaços urbanos coloca muitos desafios às marcas, o que é expectável que façam (e deixem de fazer) para melhorar a qualidade de vida nas cidades.
Um dos aspetos mais valorizados numa cidade é a sua cultura e a diversidade que pode conter. A convivência e conjugação de múltiplas influências no mesmo espaço são altamente valorizadas pelas pessoas, sobretudo as mais novas, dois em cada três Millennials concorda que a comunidade ideal deve ser formada por pessoas com diferentes tipos de experiências.
As marcas são agentes ativos na promoção e destruição do património cultural das cidades. Se um McDonald’s, um Starbucks e uma H&M em Lisboa, Bruxelas e Amesterdão têm a mesma identidade, ocupam uma tipologia de espaços semelhantes e não fazem uma adaptação à realidade local, é fácil confundir a experiência destes três sítios tão diferentes. Hoje a marcas são percebidas como um problema para as cidades, agentes que fazem ruído e homogeneízam a identidade cultural: 57% das pessoas acha que as cidades estão demasiado globalizadas e homogéneas, com uma arquitetura, comércio e oferta gastronómica muito semelhantes.
Mas as marcas podem assumir um papel mais preponderante na qualidade de vida nas grandes cidades. Podem ajudar a tornar as cidades mais sociáveis, ajudando a combater o isolamento urbano e individualismo cada vez mais evidentes, facilitando a proximidade entre pessoas. Em Nova Iorque a Microsoft oferece, em parceria com a organização sem fins lucrativos Selfhelp Community Services, aulas online sobre várias matérias desde História de Arte a Storytelling Interactivo, promovendo a interação entre os membros das várias turmas.
Áreas como a gestão da vida urbana, 85% das pessoas concorda que o trânsito é um dos maiores problemas da vida nas cidades, à proteção da sua identidade cultural até ao estreitar da proximidade das realidades urbanas e rurais, há espaço para as marcas atuarem. E as pessoas esperam que as marcas o façam. Mesmo a criação de Smart Cities pelo Google, com todas as questões de controlo e privacidade de informação que levanta, é bem aceite por dois terços das pessoas.
As marcas precisam de passar a ser reconhecidas como parte da solução dos grandes problemas urbanos, há múltiplas oportunidades para explorar. Porque é nas cidades que os seus consumidores e admiradores estão e, para já, não têm intenções de sair.
*Responsável Planeamento Estratégico do Grupo Havas Media