É um dos dois rostos premiados com o Prémio Nobel da Paz de 2018 por denunciar uma das dimensões esquecidas dos conflitos armados: a violência sexual contra as mulheres. Denis Mukwege, de 63 anos e médico ginecologista congolês, trabalha sem descanso há mais de duas décadas para ajudar raparigas e mulheres vítimas de violação em guerras. O médico, explicou o júri do comité Nobel, tornou-se no «símbolo mais unificador da luta para acabar com a violência sexual nas guerras». E, como se não pudesse ser diferente, Mukwege tomou conhecimento do prémio internacional em plena operação no hospital por si fundado em Panzi, na República Democrática do Congo. «Consigo ver os rostos de muitas mulheres que estão contentes por serem reconhecidas», reagiu o médico congolês numa entrevista em vídeo divulgada no Twitter da Fundação Nobel. Todavia, não foi o primeiro prémio que recebeu pela sua vida de trabalho. O Parlamento Europeu atribuiu-lhe, em 2014, o Prémio Sakharov – distinção igualmente recebida por Nadia Murad dois anos depois – para a Liberdade de Pensamento, o mais elevado prémio de direitos humanos da instituição europeia.
Denis Mukwege nasceu, em 1955, em Bukavu, na parte oriental no que era então o Congo belga. Terceiro filho, entre nove, de um pastor, entrou desde cedo em contacto com os mais desfavorecidos e doentes, que visitava com o pai. Estudou Medicina em Burundi, capital do país, e emigrou para França para se especializar em ginecologia. Em 1989, regressou ao seu país e começou a trabalhar num hospital em Lemera, que viria a ficar em ruínas com o deflagrar da primeira guerra do Congo, em 1996. Findo o conflito, Mukwege decidiu fundar, em 1999, o hospital de Panzi, dedicado a dar melhores condições de parto às mulheres. Mas rapidamente se viu confrontado com o aprofundar das divergências políticas e o começo da segunda guerra do Congo (1998-2003), com a clínica a dedicar os seus recursos ao tratamento de vítimas de violência sexual. «Guerra contra o corpo das mulheres», caracterizou em tempos o médico, com a violação a ser encarada como «arma de destruição em massa» no conflito. As suas doentes oscilavam entre crianças com dois anos de idade até idosas com oitenta. «Elas são desumanizadas. A maioria sente vergonha pelo que lhes aconteceu. A maioria delas são excluídas das suas próprias comunidades», explicou Mukwege numa entrevista concedida ao Independent.
O seu trabalho não se limitou a combater os estragos da violência contra as mulheres, passando também a exigir soluções políticas e a denunciar violações de direitos humanos. É membro do conselho consultivo da Campanha Internacional para Travar a Violação e Violência de Género nos Conflitos e, no Congo, fundou um movimento feminista masculino, o V-Men Congo.
Defende o fim das violações como instrumentos de guerra, à semelhança do conseguido pela comunidade internacional em relação às armas químicas e biológicas. «Fizemo-lo com as armas químicas e biológicas e podemos fazer o mesmo com os crimes sexuais», exigiu o médico. E, em 2012, perante as Nações Unidas, apelou a que todos os responsáveis por estes crimes fossem apresentados à justiça, ao mesmo tempo que condenava «o silêncio ensurdecedor e falta de coragem da comunidade internacional» por não o fazer. O seu apelo caiu em orelhas moucas, pelo menos até agora.
Ao longo dos anos, tratou mais de 40 mil vítimas com ferimentos diversos, recebendo na sua mesa de operações cerca de dez por dia. A reparação de fístulas vaginais – buracos criados entre a vagina e o reto ou vagina e a bexiga – tornou-se na operação mais comum para o profissional de saúde. Mas não só. O seu hospital não se limita aos cuidados ginecologistas, assumindo, ao invés, uma abordagem holística para com a saúde de quem lhe bate à porta. A instituição providencia apoio social, legal e psicológico às vítimas que o queiram, para que possam recuperar do trauma da violação.
O seu combate intransigente aos crimes sexuais fez com que ele próprio viesse a correr perigo de vida. Em outubro de 2012, conseguiu escapar a uma tentativa de assassinato quando vários homens armados dispararam várias balas contra si. Falharam, mas o seu guarda costas foi morto a sangue frio. Mukwege não teve outra alternativa senão fugir para a Suécia e depois para Bruxelas, na Bélgica, por três meses, na esperança de que as ameaças contra a sua vida passassem. Sentiu-se obrigado a regressar ao receber inúmeros apelos de mulheres, vítimas de violência sexual.
Passou a ser chamado de ‘Doutor Milagre’ pelas mulheres que ajudou e que conseguiram recuperar o controle das suas vidas. Hoje, continua a trabalhar no seu hospital, que se encontra sob proteção permanente da Missão das Nações Unidas para o Congo (MONUSCO). «É um homem correto, justo e íntegro, mas não suporta a mediocridade», resumiu Levi Luhiriri, médico com quem Mukwege trabalha diariamente.