É a primeira iraquiana a ganhar um prémio Nobel da Paz. A história de Nadia Murad, recentemente laureada com o Nobel, está no campo oposto ao que deveria ser um percurso pacífico. Era uma jovem que só queria ser cabeleira. Pode parecer simples, mas Nadia Murad faz parte da minoria étnica Yazidi, um povo considerado infiel pelo Estado Islâmico (EI). Em agosto de 2014, o grupo terrorista do EI invadiu a sua aldeia no norte do Iraque, junto à fronteira com a Síria, e a jovem, na altura com 21 anos, foi raptada e levada para Mosul, a capital do autoproclamado EI. Nesse momento, a mãe e seis das suas irmãos foram mortas. Durante três meses foi escrava sexual, forçada a converter-se ao Islamismo, vendida e comprada várias vezes e submetida a abusos sexuais e físicos. Com ela estavam cerca de cinco mil mulheres Yazidi e muitas delas eram ainda crianças. A jovem editou um livro em 2017, chamado Eu Serei a Última e editado em português pela editora ‘Objectiva’, onde descreveu que «em algum momento havia violação e nada mais».«E isso passou a ser um dia normal».
Quando conseguiu escapar, em novembro de 2014 e depois de ter tentado fugir uma vez, tornou-se ativista e a porta-voz do povo Yazidi, fazendo campanhas para ajudar a acabar com o tráfico de seres humanos. Conseguiu chegar à Alemanha, onde está hoje, e pediu ao mundo para adotar linhas mais duras em relação à violação de mulheres como arma de guerra. Os três meses em Mosul deixaram marcas, mas não impediram Nadia Murad de fazer campanha pelas mulheres que ainda são mantidas em cativeiro pelo Estado Islâmico. Em 2016, recebeu o prémio Vaclav Havel de Direitos Humanos atribuído pelo Conselho da Europa e, durante o seu discurso de aceitação em Estrasburgo, propôs a criação de um tribunal internacional para julgar os crimes cometidos pelo EI. No mesmo ano, recebeu ainda o prémio Sakharov de direitos humanos, entregue pelo Parlamento Europeu, que homenageou Nadia Murad por ter denunciado a situação publicamente. Foi também nomeada Embaixadora da Boa-Vontade da ONU para a dignidade das pessoas vítimas de tráfico.
Nadia Murad sempre fez questão de contar e recontar a história que foi obrigada a viver e nunca quis manter o anonimato para alertar o mundo dos problemas reais que as mulheres passam em tempo de guerra. Dias depois de ter fugido de Mossul, a BBC entrevistou a jovem de 24 anos e propôs que o seu testemunho fosse anónimo, ao que Nadia recusou. «Deixem que o mundo veja o que nos aconteceu», disse.
A luta de Nadia está longe de acabar, mas a iraquiana garante que não vai baixar os braços. Fala pelo silêncio e pela vergonha que as mulheres vítimas de violência sexual e física sentem: «Sobretudo para as mulheres do Médio Oriente, dizer que foram escravizadas sexualmente é muito difícil». Agora, com a responsabilidade de um Nobel da Paz, Nadia Murad compromete-se a ser «a voz dos que não têm voz».