Ricardo Robles, por acaso, num dia, dá em empreiteiro. Rui Costa, por acaso, num dia, dá em quadro da EMEL.
O problema é que não há acaso nenhum, há inside trading. É como a mulher de um investidor ou advogado que sabe de uma transação iminente, dá ordem de compra de ações e umas semanas depois acorda milionária. Acorda milionária, sim, mas não foi por acaso — foi porque teve informação relevante. Conduta essa que é punida por lei.
Ricardo Robles foi um exemplar deputado municipal no mandato de 2013-2017 pelo Bloco de Esquerda na Assembleia Municipal de Lisboa. Esta assembleia tem sessões plenárias todas as terças-feiras e, como na Assembleia da República, trabalha em comissões nos restantes dias. Rui Costa, nesse mandato, já era a eminência parda de Ricardo Robles.
Todas as semanas, em comissão, a Assembleia recebia os responsáveis do urbanismo, da mobilidade e a administração da EMEL. Repito: todas as semanas, ao longo de quatro anos, numa sala pequena com vinte pessoas no máximo.
Na sequência do excelente mandato municipal, Robles vem a ser candidato à Câmara de Lisboa – e, após as eleições, Medina passa a precisar dele para ter a maioria.
Rui Costa, inteligentíssimo, fluente, argumentativo, com grande retórica, segue o seu vereador e torna-se o seu braço-direito na Câmara. Mas extraordinariamente mantém-se simultaneamente como deputado municipal. Ou seja, às segundas, quartas, quintas e sextas faz parte da vereação, é colega de executivo do presidente Medina, do vereador do urbanismo Manuel Salgado, do vereador da mobilidade Miguel Gaspar.
Mas às terças-feiras, na Assembleia Municipal, fiscaliza a atividade do executivo de que faz parte.
Manda a verdade que se diga que Rui Costa levou o papel a preceito, e logo nas primeiras sessões massacrou Fernando Medina de tal forma que eu mesma escrevi aqui que o presidente, e bem, não estaria disposto a aturar tal exercício de hipocrisia política. Ou bem que era braço-direito do vereador Robles, ou bem que massacrava o executivo – as duas coisas é que não podia ser.
Entretanto, o vereador Ricardo Robles caiu com estrondo e logo depois Rui Costa desfiliava-se do Bloco de Esquerda e passava a deputado independente.
Não foi o acaso que levou o vereador Ricardo Robles à muito proveitosa e capitalista atividade de empreiteiro. E não foi o acaso que levou o deputado Rui Costa escandalosamente a quadro da EMEL. Foram quatros anos a privar com as pessoas certas.
O Bloco de Esquerda afirmou-se sempre moralmente superior às condutas dos membros dos partidos do ‘sistema’. Num ano, em Lisboa, o Bloco perde as suas duas mais proeminentes figuras, da mesma maneira, pelos mesmos motivos.
Fizeram a cama e deitaram-se nela.