“O Brasil é a vanguarda de um novo modo de fazer política, da concretização de um novo programa de verdade que encerra o ciclo histórico do Iluminismo”, escreve Miguel Lago no site da revista Piauí, num texto irónico que acrescenta “a destruição do liberalismo global começa aqui”.
Lago reconhece que Jair Bolsonaro representa uma “onda de renascimento da extrema-direita” que já se vive noutras partes do mundo, mas o candidato do PSL à presidência tem uma particularidade que Trump, Erdogan, Órban, Putin ou Salvini não têm, nenhum deles “se diz abertamente antidemocrático, a favor de tortura ou de assassinato político”.
Um dos filhos de Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro, defendeu num vídeo que para ocupar o Supremo Tribunal Federal (STF) nem era preciso um jipe, bastava um cabo e um soldado. Declaraçês que mereceram a indignação dos juízes e um tweet do antigo presidente Fernando Henrique Cardoso a dizer que estas declarações “cruzaram a linha, cheiram a fascismo”.
“As declarações do deputado Eduardo Bolsonaro merecem repúdio dos democratas. Prega a ação direta, ameaça o STF”, escreveu o antigo chefe de Estado, normalmente identificado como FHC.
Um alerta que chega no mesmo dia em que nova sondagem publicada no Brasil, do Instituto MDA encomendada pela Confederação Nacional do Transporte, mostra que a vantagem de Bolsonaro na segunda volta das eleições presidenciais brasileiras continua considerável. O deputado tem 57% das intenções de votos válidos, contra 43% do candidato do PT, Fernando Haddad.
A menos de uma semana da ida às urnas, nesta segunda volta, quase três quartos do eleitorado está convencido que a vitória de Bolsonaro é mais do que certa. Questionados sobre quem vai ganhar as eleições, 74,4% dos inquiridos responderam Bolsonaro, só 14,6% ainda acredita numa reviravolta quase impossível. Além disso, 91,1% dos que afirmaram ir votar Bolsonaro garantem que a sua escolha é definitiva. Em relação a Haddad, a percentagem é praticamente igual: 91,3%.
“Com a provável eleição de Bolsonaro precisaremos mais ainda de defensores da democracia, para impedir que ele (ou quem vier a vencer) tente sair do rumo constitucional”, acrescentou ainda FHC. Enquanto o presidente do STF, Dias Toffoli, sublinhava que “não há democracia sem um poder judiciário independente e autónomo” e, por isso, “atacar o poder judiciário é atacar a democracia”. Por seu lado, Celso Mello, juiz mais antigo do tribunal, classificou a declaração do deputado Eduardo Bolsonaro de “inconsequente e golpista”.
Jair Bolsonaro, como aconteceu várias vezes durante a campanha quando um seu colaborador fez uma afirmação polémica à margem da Constituição, contrariou as palavras do seu filho de forma veemente: “Se alguém falou em fechar o STF, precisa consultar psiquiatra”.
Para o seu adversário na corrida à presidência, a questão é mais preocupante e não está a ter as consequências que deveria ter, porque no seu discurso de domingo difundido para os milhares de apoiantes na avenida Paulista, em São Paulo, Bolsonaro falou em “varrer do mapa os bandidos vermelhos do Brasil” que “ou vão para fora ou vão para a cadeia”.
“O discurso dele transmitido na Paulista é um absurd. Ele ameaça a sobrevivência física da oposição, ameaça a imprensa e as instituições demoram a reagir”, afirmou o ex-ministro da Educação. “Se ele tem a coragem de ameaçar a democracia antes das eleições, o que ele fará com o apoio dos eleitores?”, perguntou Haddad ontem num ato de campanha.
O candidato do PT pediu uma intervenção do TSE em relação ao dinheiro investido por empresários para comprar disparos de mensagens contra Haddad e o PT pelas redes sociais, um apoio financeiro que pode ser considerado financiamento ilegal de campanha. “Se todo o mundo sabe que houve fraude no primeiro turno com dinheiro sujo de caixa 2 [saco azul] para bombardear as redes sociais com mensagens falsas, o que está se esperando?”, questionou ainda o candidato.
“Tivemos que esperar cinquenta anos para que a nossa extrema-direita pudesse calar De Gaulle, o herói da resistência ao fascismo”, diz Miguel Lago sobre a afirmação do então presidente francês de que o Brasil era o eterno país do futuro. “Somos, sim, o país do futuro. E o marco zero do futuro será o dia 28 de outubro de 2018”.