Foi com espanto e avisos que Moscovo reagiu à intenção do presidente norte-americano, Donald Trump, de retirar Washington do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermédio. Ontem, o presidente do conselho de segurança russo, Nikolai Patrushev, reuniu-se com o conselheiro de segurança nacional norte-americano, John Bolton, em Moscovo, para ouvir as explicações de Washington sobre o anúncio repentino. Também António Guterres, secretário-geral da ONU, reagiu ao anúncio norte-americano afirmando que “ainda espera que os dois países se possam comprometer a superar os desentendimentos”.
Patrushev revelou, em conferência de imprensa, que a reunião foi “construtiva e metódica” e que se discutiu estabelecer-se “um diálogo entre Moscovo e Washington sobre questões estratégicas de segurança em diferentes níveis”. O conselheiro russo disse ainda ter realçado a “importância de se manter o acordo existente”, abraçando a oportunidade para reafirmar a “disponibilidade [russa] para cooperar” nos pontos de discórdia. Se Moscovo está disponível para cooperar, também não deixou de sublinhar os riscos para o sistema legal de não-proliferação e controlo de armamento. “Seria um sério golpe”, alertou Patrushev. Bolton tem sido um dos grandes defensores do abandono do tratado pelos EUA.
O abandono do tratado por Washington não coloca apenas em causa o controlo de mísseis balísticos, mas também as negociações para um novo START a partir de 2021. Em declarações ao “Guardian”, uma fonte oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, elencou precisamente esse cenário: “Vai destruir qualquer possibilidade de se prolongar o novo tratado START”.
O Novo START, assinado, em 2011, entre Vladimir Putin e o antigo presidente Barack Obama, manter-se-á até 2021, que reduzia o número de plataformas de lançamento de mísseis nucleares e o limite de ogivas nucleares nas 1550. Moscovo e Washington já deveriam estar a negociar o tratado que se seguirá ao Novo START.
Por sua vez, o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermédio foi assinado, em 1987, ainda na Guerra Fria, entre o então líder soviético Mikhail Gorbatchov e o presidente norte-americano Ronald Reagan. Com o colapso do gigante soviético em 1991, a Federação Russa manteve-se no tratado que decretava a eliminação de todos os mísseis nucleares e convencionais que tivessem um alcance entre os 500 e 5500 quilómetros de distância. Ao longo da década de 90, Moscovo cumpriu o tratado, mas com a subida de Vladimir Putin ao poder Washington começou a acusar a sua contraparte de violar o acordo. Ontem, Patrushev negou categoricamente as acusações. Todavia, o seu abandono nunca esteve em cima da mesa até Donald Trump conquistar a Casa Branca em 2016.
“A Rússia violou o tratado. Tem-no violado ao longo de muitos anos. Não sei o porquê do presidente [Barack] Obama não o ter negociado ou abandonado. Mas não vamos deixar que continuem a violar um acordo nuclear e adquiram armas enquanto nós não podemos”, afirmou Trump no sábado passado. “Vamos terminar com o acordo e abandoná-lo”. A Rússia foi célere a reagir pela voz do vice-ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Ryabkov, que afirmou ser “um passo muito perigoso”, podendo despoletar uma corrida ao armamento. E, ontem de manhã, antes do encontro entre Bolton e Patrushev, Moscovo prometeu “restaurar” a balança de força militar com os EUA se estes o vierem mesmo a abandonar. “Os EUA não o estão a disfarçar, estão a desenvolver abertamente estes sistemas para o futuro e se estão a ser desenvolvidos, ações são necessárias pelos outros países, neste caso a Rússia, para restaurar a balança nesta esfera”, afirmou Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin. A Casa Branca não está apenas preocupada em manter a sua hegemonia militar com a Rússia, mas principalmente com a China. Pequim não é signatária do tratado e, portanto, pode desenvolver os mísseis com o alcance que bem entender, enquanto os EUA não o podem fazer. No entanto, a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Hua Chunying, aconselhou Washington a “pensar duas vezes” antes de tomar qualquer decisão, acrescentando que é “completamente errado falar-se da China quando se evoca a saída do tratado”.