Mais depressa a Igreja Católica tornou monsenhor Óscar Romero santo que os seus assassinos foram descobertos e a sua morte julgada.
O tiro da pistola calibre .22 ainda hoje se escuta na gravação da última homilia conduzida pelo arcebispo na capela do hospital da Divina Providência, em São Salvador. A 24 de março de 1980 não só caía o arcebispo dos pobres à mão de um atirador de elite do exército salvadorenho, como El Salvador mergulhava numa guerra civil de 12 anos que deixaria um rasto sangrento de quase 100 mil mortos, num país que tinha na altura pouco mais de 4,5 milhões de habitantes.
A bala no coração de Óscar Romero acabava com a vida de um sacerdote ativo na defesa dos mais pobres («a voz dos que não tinham voz») e na luta pelos direitos humanos que em agosto de 1977, meros seis meses depois de ter sido nomeado arcebispo, dizia numa celebração eucarística: «O profeta tem que ser incómodo na sociedade, quando a sociedade não está com Deus».
Na cerimónia da elevação de Óscar Romero a santo, que incluiu outros seis beatos, entre eles o Papa Paulo VI, o sumo pontífice surgiu perante 70 mil pessoas (sete mil delas salvadorenhas), na praça de São Pedro, com o cíngulo (cordão com que o sacerdote aperta a alva à cintura) que Romero usava no dia em que foi assassinado e que ainda está manchado com o seu sangue, cuja morte nunca foi resolvida – a identidade do autor material continua um mistério, «o grande segredo da direita salvadorenha», nas palavras de Carlos Dada, jornalista que há uma década investiga o caso.
Para Francisco, que o elevou a beato em 2015, o arcebispo «deixou a segurança do mundo, inclusivamente a sua própria segurança, para entregar a sua vida segundo o Evangelho, perto dos pobres e da sua gente, com o coração magnetizado por Jesus e os seus irmãos».
Vivia de acordo com a sua palavra, recusou o palácio do arcebispado preferindo habitar numa modesta casa que hoje está transformada em museu. Todos os sábados jejuava para sentir na carne o sofrimento dos mais necessitados. Apesar de todas as ameaças de morte, recusou-se sempre a andar com guarda-costas.
Beatificado há três anos, como é considerado um mártir da Igreja só precisou de um milagre comprovado pela Santa Sé (normalmente são precisos dois) para ser santificado. Óscar Romero terá intercedido junto de Deus, segundo a Igreja Católica, para salvar Cecilia Flores, que depois de quatro gravidezes perdidas teve complicações no parto do seu terceiro filho. Diagnosticada com pré-eclampsia, sentia fortes dores abdominais e o fígado e os rins começaram a falhar – tinha HELLP (Hemólise, enzimas hepáticas elevadas e baixa contagem de plaquetas ). «Medicamente havia pouco a fazer por Cecilia naquele momento», diz a ficha médica que foi enviada para o Vaticano para facilitar a santificação, refere o monsenhor Enrique Alvear Urrutia. E os especialistas referem que «se tratava de um síndrome que necessariamente lhe teria causado a morte». Alvear Urrutia e o cardeal Gregorio Rosa Chávez são os principais responsáveis pela gestão do processo de canonização.
Quem pediu a intervenção de Romero foi o marido de Cecilia, Alejandro, que, desesperado, resolveu agarrar-se ao que lhe restava – rezar. Prostrado no solo, encontrou entre as folhas da Bíblia que pertencera à avó uma estampa do arcebispo que atrás tinha uma oração para pedir um milagre ao então beato. «Na verdade, não era um seguidor de Romero», diz à BBC, garantindo, no entanto, que a oração foi sincera. Pouco tempo depois, Cecilia saiu do coma e começou a melhorar a grande velocidade para surpresa dos médicos. «Inicialmente, não tínhamos pensado em falar porque não pensávamos que fosse uma coisa tão importante», explica a própria, mesmo que garanta nunca ter duvidado da intercessão de Romero. Mas «a nossa recompensa é que ela está viva», afirma Alejandro, uma frase que haveria de haver gostado a Óscar Romero: «Devo dizer que, como cristão, não acredito na morte sem a ressurreição: se me matam, ressuscitarei no povo salvadorenho».