Caetano Veloso tem sido uma das vozes brasileiras mais ativas contra Bolsonaro. Com a segunda volta das eleições brasileiras à porta, o músico de 76 anos escreveu um artigo para o New York Times, que foi publicado esta quarta-feira, sobre a sua opinião relativamente às eleições do Brasil.
“No final dos anos 60, a ditadura militar no Brasil censurou e prendeu muitos artistas e intelectuais, devido às suas crenças políticas. Eu fui um deles. Os militaristas estão de volta”, começa por escrever Caetano Veloso.
O músico faz a contextualização do que se está a passar no Brasil, não deixando de fazer referência a Donald Trump, atual presidente dos Estados Unidos da América, e Rodrigo Duterte, o presidente das Filipinas: “Tal como outros países, o Brasil enfrenta neste momento a ameaça da extrema direita e do conservadorismo populista. O nosso novo fenómeno político, que deverá ganhar as eleições presidenciais no domingo, é um antigo capitão do exército que admira Donald Trump, mas que se parece mais com Rodrigo Duterte, o homem forte das Filipinas. Bolsonaro defende a venda livre de armas de fogo (…) e diz que preferia ter um filho morto a um filho gay”.
“Se Bolsonaro ganhar as eleições, os brasileiros podem esperar uma onda de medo e ódio”, pode ler-se. Contudo, Caetano Veloso não deixa escapar que “na verdade, já houve sangue derramado. A 7 de outubro, um apoiante de Bolsonaro apunhalou o meu amigo Moa do Katendê, músico e mestre de capoeira, na sequência de uma discussão sobre política. A sua morte deixou a cidade de Salvador num estado de luto e indignação”.
O músico e compositor de 76 anos faz uma viagem ao passado e recorda alguns momentos do passado: “Nos anos 80, fazia discos e tocava para plateias esgotadas. Mas sabia o que tinha de mudar no meu país. Nessa altura, e após 20 anos de ditadura militar, nós, brasileiros, lutávamos pelo direito a eleições livres. Se então alguém me dissesse que um dia iríamos eleger pessoas como Fernando Henrique Cardoso e depois Luiz Inácio Lula da Silva, não acreditaria. E depois aconteceu”.
Para Caetano Veloso, “a eleição de Cardoso em 1994 e de Lula em 2002 revestiu-se de grande peso simbólico. Mostraram que éramos uma democracia e mudaram a forma da nossa sociedade ao permitirem que milhões de pessoas escapassem à pobreza.”Agora, “ apesar de todo o progresso e da aparente maturidade do país, o Brasil, que é a quarta maior democracia do mundo, está longe de ser [um país] sólido. Forças obscuras, vindas de dentro e de fora, parecem estar a puxar-nos para trás e para baixo”, escreve o músico.
Com o caso de corrupção Lava Jato, que levou vários políticos à prisão incluindo Lula da Silva, Caetano Veloso acredita que a extrema-direita “encontrou uma oportunidade”, que permitiu que “ideólogos reacionários que têm denegrido qualquer tentativa de lutar contra a desigualdade, associando as políticas socialmente progressivas a pesadelos como o da Venezuela” ganhassem um grande poder. Com esta ascensão, o músico acredita que foi fomentado o medo de que “os direitos das minorias eliminem os princípios religiosos e morais, ou simplesmente conduzindo as pessoas para a brutalidade, através do uso sistemático de linguagem depreciativa”.
“Enquanto figura pública do Brasil, tenho o dever de tentar esclarecer estes factos. Agora sou velho, mas nos anos 60 e 70 era novo e lembro-me. Por isso, tenho de falar”, afirma o músico.
Caetano fala dos tempos em que esteve preso, juntamento com o músico Gilberto Gil: “O Gilberto e eu passámos uma semana cada um numa cela imunda. Depois, sem qualquer explicação, fomos transferidos para outra prisão militar, onde ficámos dois meses. Seguiram-se mais quatro meses de prisão domiciliária e, por fim, o exílio, onde ficámos dois anos e meio. Nas mesmas celas que nós estavam estudantes, escritores e jornalistas, mas nenhum foi torturado. Mas de noite ouvíamos gritos. Eram presos políticos que os militares acreditavam terem ligações à resistência armada ou jovens pobres apanhados a roubar ou a vender droga. Nunca me esqueci daqueles gritos”.
“Muitas pessoas dizem que, se o capitão ganhar, planeiam sair do país. Eu nunca quis viver noutro país que não o Brasil. E agora também não quero. Quero que a minha música e a minha presença sejam uma resistência permanente ao sistema antidemocrático que possa vir a sair de um provável governo de Bolsonaro”, remata Caetano Veloso.