A face negra do YouTube

Há uns dias o meu filho de nove anos foi assolado por um terror noturno pouco depois de se deitar e veio ter comigo muito assustado. Abracei-o com força: ‘O que se passa?’, perguntei-lhe. ‘O Tomás da minha sala viu no YouTube que há meninos que morrem depois de soprarem uma vela. Têm de fazer…

Há uns dias o meu filho de nove anos foi assolado por um terror noturno pouco depois de se deitar e veio ter comigo muito assustado. Abracei-o com força: ‘O que se passa?’, perguntei-lhe. ‘O Tomás da minha sala viu no YouTube que há meninos que morrem depois de soprarem uma vela. Têm de fazer muitas coisas e obedecer a um senhor e até morrem se gozarem com ele’.

‘Outra vez o maldito YouTube!’, pensei eu, enquanto tentava acalmá-lo.

É verdade que desde sempre as crianças adoraram histórias assustadoras. Lembro-me de a minha irmã me contar uma, que na altura estava na moda, enquanto regressávamos do Algarve à noite: uma senhora de preto pedia boleia para o hospital e desaparecia do carro a meio da viagem. Essa história perseguiu-me durante anos. Mas as histórias do YouTube são diferentes. São mais intensas, vêm cheias de imagens assustadoras, com conteúdos que podem ser totalmente desadequados à idade, podem surgir quase espontaneamente para quem quer e para quem não quer, são vistas muitas vezes quando os pais não estão presentes e, pior do que tudo, muitas delas são verdadeiras e têm consequências reais.

Apesar de alguns aspetos positivos, em casas com crianças o YouTube é sobretudo uma praga. Aparece sem ser chamado, porque faz parte das aplicações da televisão, e além de não ser solicitado também não o podemos eliminar. É de livre e fácil acesso – mesmo com restrições nas definições -, enganoso, até certo ponto viciante e como está na televisão é exibido não só àqueles que já sabem encontrá-lo mas também aos mais pequenos, que gostam de acompanhar os mais velhos em frente ao ecrã.

Se os canais e filmes para adultos podem ser bloqueados e esses conteúdos só são exibidos fora de horas, como é possível que uma operadora de televisão nos obrigue a ter uma espécie de canal livre onde passam as maiores atrocidades?

Tirando alguns vídeos de músicas, magia, curiosidades e trabalhos feitos à mão, o YouTube visto pelos mais novos resume-se sobretudo a quatro pontos negros: vídeos assustadores impróprios para a idade, youtubers que devem pouco à educação a fazer coisas absurdas assentes no mau gosto e despesismo, desafios absurdos e pessoas normais a fazer coisas banais.

Se antigamente se falava de como condicionar a televisão às crianças, agora com o YouTube o caso é bem mais bicudo. Deparam-se facilmente com vídeos impróprios para os quais não têm, nem têm de ter, maturidade, o que acaba por deixá-las assustadas e preocupadas, são influenciadas pelo vocabulário ou comportamentos vulgares que ali são exibidos como modelos e perdem o seu tempo precioso sentadas a assistir à vida dos outros, em vez de viverem a sua.

Muitas vezes numa questão de segundos, inadvertidamente, são bombardeadas por imagens e informação de que nunca mais se livram. Que fica a matraquear-lhes na cabeça, podendo deixá-las perturbadas sem que ninguém entenda porquê. 

É mais um fruto envenenado dos novos tempos. Para controlar esta praga, além de ser imperativo manter o diálogo e a proximidade com os mais novos para que nunca se fechem com dúvidas e preocupações, devemos avaliar os prós e contras destes canais e decidir de que forma podem ser vistos sem que causem danos.