Acabado de chegar de Paris, o jornalista e poeta brasileiro Cláudio Mello e Souza soltou esta expressão meio inconveniente: «O francês é um cavalo». Instado a explicar-se melhor, viria a concluir que se deve medir sempre a vitalidade histórica de um povo pela saúde e pujança dos seus coices. Claro que isto foi no tempo dos confrontos sociais de 1968 e, hoje em dia, o francês já não é assim tão cavalar. Sinal dos tempos.
Recordam-se do sr. Sousa Neto, d’Os Maias? Numa daquelas noites em casa dos Gouvarinhos, acercou-se do Carlos, curioso. E perguntou: «Encontra-se por lá, em Inglaterra, desta literatura amena, como entre nós, folhetinistas, poetas de pulso?». E o Carlos, com um descaramento divino: «Fique V. Exa. sabendo que em Inglaterra não há literatura». O outro cerrou as pálpebras, meditabundo: «Logo vi…, logo vi… um povo essencialmente prático».
Ora bem, toda a gente sabe que em Inglaterra não há putas, se me perdoam a expressão, mas já volto à vaca fria que, neste caso é um cavalo. Escreveu, numa das sua obras, o sociólogo Arthur Sherwell: «É do conhecimento público que, pelo menos no West End, as modistas, as costureiras e as ajudantes recorrem frequentemente à rua, durante a estação morta, e retomam as suas boutiques quando a saison recomeça. Por outras palavras, a moralidade acompanha as flutuações do comércio». Como veem, tenho razão. Em Inglaterra há, quanto muito, uma enorme massa de mulheres desafortunadas. E essencialmente práticas. Cláudio Mello e Souza exclamaria triunfante: «O inglês é um cavalo». Ora era precisamente aqui que eu queria chegar.
Um cavalheiro português, bem relacionado na corte inglesa e apaixonado pelo turf, vivendo há vários anos em Inglaterra, resolveu comprar um animal com o qual pudesse participar nas corridas. Decidiu-se por uma égua thoroughbred à qual deu o nome da amante, uma viúva inglesa de ancas igualmente equinas à qual devotava uma afeição carnal e enciumada: Mrs. Barnet. Catherine Bergen Johnson de solteira.
Passa o tempo. Ao contrário da viúva, Mrs. Barnet, a égua, nunca revelou dotes físicos capazes de impressionar quem quer que fosse. O nosso cavalheiro português, que merecidamente conservarei num confortável anonimato, viu-se de repente a braços com uma Mrs. Barnet, a égua, muito pouco útil para a finalidade que inicialmente lhe estabelecera. Perante o facto, resolve entregar a outro a Mrs. Barnet de quatro patas. O feliz contemplado era um baronete das suas relações, Sir William Stirling-Maxwell of Pollock.
Sir William, não de todo insensível aos quadris da quadrúpede Mrs. Barnet, nomeou a oferta do seu amigo português como candidata ao cruzamento genético com um dos seus campeões, o também puro-sangue thoroughbred, Haphazard. Deste enlace nasceu um potro com todas as características de rei do turf.
Prossigo a historieta com a divulgação de uma desenxabida inconfidência: Mrs. Barnet, a viúva, resolveu igualmente entregar-se a outro. Por causa de um oficial da Royal Navy, o cavalheiro português viu-se despojado de ambas as Mrs. Barnet. E não aceitou o facto com bonomia. Convidado pelo seu amigo Sir William para assistir ao nascimento do jovem filho de Mrs. Barnet com Haphazard e, num gesto de generosidade próprio de um baronete, a atribuir-lhe um nome, o nosso amigo não hesitou:
– Um filho de Mrs. Barnet só pode ser um filho da puta!
Filho da Puta ficou. À portuguesa.
Tudo isto se passou sob a prodigiosa civilidade inglesa que, como sabemos, deveria ser exportada para o resto do planeta sem custos adicionais de transporte.
O filho da Mrs. Barnet cavalar (e a este momento da crónica já o leitor saberá distingui-las) tornou-se famoso por vencer, em 1815, a St. Leger Stakes, em Doncaster, a mais antiga das British Classic Races. Precisamente uma milha, 6 furlongs e 132 jardas. Se tomarmos em conta que uma milha são exatamente 5280 pés e cada pé tem 12 polegadas; que cada furlong representa um oitavo de milha e, portanto, 660 pés ou 220 jardas; e que cada jarda é igual a 0,9144 metros, chegamos à conclusão fácil de que o Filho da Puta percorreu 2.937 metros na sua galopada para a vitória. Tinha sido montado até ao retumbante triunfo pelo jockey John Jackson às ordens do treinador James Croft.
Quanto ao nosso compatriota, que oferecera Mrs. Barnett tão graciosamente ao seu amigo baronete, consta que fazia espalhar de forma liberal pela sociedade londrina de então a explicação cabal para o estranho nome do cavalo campeão, recebendo em troca amplas gargalhadas. Aprendeu em Inglaterra uma lição importante: um cavalheiro nunca se enfurece; apenas se desforra. Era essa a razão pela qual o sol nunca se punha no Império Britânico.