Num protesto sem precedentes para uma empresa tecnológica de Sillicon Valley, nos Estados Unidos, milhares de trabalhadores da Google espalhados por todo o mundo abandonaram ontem os seus postos de trabalho numa ação mundialmente concertada. Começou em Tóquio às 11 horas locais, mas depois seguiram-se Zurique, Singapura, Nova Iorque, São Paulo, Haifa, Berlim, Londres e Dublin. Nas redes sociais imperaram as hashtags #GoogleWalkout e #MeToo.
Em causa está a forma como a empresa tem gerido os casos de assédio sexual, desigualdade salarial entre géneros e racismo estrutural. O rastilho para o maior protesto de trabalhadores da Google até ao momento foi a saída do criador do sistema operativo Android e executivo da empresa Andy Rubin, acusado de assédio sexual. Rubin abandonou a empresa com uma indemnização de 90 milhões de dólares, ainda que a Google tenha reconhecido que as acusações de uma trabalhadora eram “credíveis”. Rubin terá obrigado, em 2013, uma trabalhadora com quem estava a ter um caso a fazer-lhe sexo oral num quarto de hotel. O executivo nega qualquer assédio. “Nenhuma das alegações feitas contra o sr. Rubin são verdade”, disse o seu advogado, Sam Singer, à CNN.
O caso foi revelado pelo jornal “The New York Times” e chamou a atenção para a forma como o topo da hierarquia da empresa tem gerido casos de assédio sexual. Os organizadores do movimento, escreveu o “Guardian”, consideram que existem “milhares” destes casos.
E, no início desta semana, Richard DeVaul, diretor da Alphabet, filial da Google, demitiu-se depois de o jornal norte-americano também ter revelado que terá assediado sexualmente uma candidata a trabalhar na empresa. DeVaul demitiu-se e saiu sem indemnização. A direção da empresa sabia das alegações há alguns anos atrás, mas nada fez e o executivo continuou a trabalhar.
“Estou aqui a protestar contra o assédio no local de trabalho e para ter a certeza que não protegemos ou apoiamos os que assediam”, disse uma trabalhadora à televisão britânica Sky News, à porta do edifício da Google em Londres. “As pessoas estão a apoiar quem foi assediado por outro trabalhador numa situação de local de trabalho, e isto é só uma parte do movimento.”
Os trabalhadores foram incentivados a abandonar o posto de trabalho e a colocarem nas suas secretárias uma mensagem a dizer: “Não estou na minha secretária porque a abandonei em solidariedade com outros googlers e trabalhadores para protestar contra o assédio sexual, má conduta, falta de transparência e uma cultura de trabalho que não está a resultar para ninguém.”
O movimento inorgânico apresentou várias exigências à direção da empresa: terminar com a desigualdade salarial entre géneros; a publicação de um relatório público e transparente sobre casos de assédio sexual; a institucionalização de um processo para denunciar casos de assédio; a nomeação de um representante dos trabalhadores para o conselho de administração; a promoção do responsável da diversidade para responder diretamente ao diretor executivo; e o fim da arbitragem forçada. De todas as exigências, a que mais descontentamento tem gerado entre os trabalhadores é a da arbitragem forçada, presente nos contratos dos mais de 94 mil trabalhadores da Google, que estipula que qualquer disputa deve ser gerida dentro da empresa, e não nos tribunais. Os críticos desta cláusula dizem que é uma forma de proteger a reputação da empresa e da pessoa acusada silenciando a vítima, que depois se vê contratualmente impossibilitada de agir contra decisões internas ou de optar por outras ações, porventura legais.
O protesto de ontem foi também um teste à forma como a direção da Google tem feito a gestão da crise perante a notícia do “New York Times”. Revelado o caso, o diretor executivo da empresa, Sundar Pichai, insistiu que foram tomadas “medidas duras” para combater o assédio sexual no local de trabalho e apoiou os trabalhadores que decidiram participar no protesto. “Os trabalhadores apresentaram ideias construtivas sobre como podemos melhorar as nossas políticas e processos”, disse Pichai. “Estamos a receber todas as ideias para podermos transformá-las em ações.”
Há quem alerte que a situação não é exclusiva da Google, mas comum a muitas outras empresas tecnológicas. “Os eventos na Google mostram a frustração que muitos trabalhadores sentem por as suas vozes não serem ouvidas sobre a forma como as empresas são geridas”, disse Mike Clancy, secretário-geral do sindicato britânico dos trabalhadores tecnológicos. “Precisamos de tolerância zero e de maior transparência sobre os termos e condições dos trabalhadores.”