Foi há três semanas que a tempestade Leslie passou por Portugal, mas os danos parecem não parar. Depois de carros terem sido destruídos por várias quedas de árvores, casas terem sofrido estragos consideráveis, produções agrícolas arrasadas, é a vez de contar a história de Lauriane Lamasson, uma investigadora numa universidade francesa.
No dia 13 de outubro, a francesa estava no seu veleiro – na marina da Figueira da Foz – quando a tempestade chegou ao país. Segundo noticiou no dia 26 de outubro o jornal Diário As Beiras, Lauriane foi apanhada de surpresa pela intempérie e durante cerca de uma hora viveu momentos muito complicados.
Ao SOL, Lauriane contou que durante a tempestade sentiu uma mistura de sentimentos.
As rajadas de vento forte – que atingiram valores de quase 180 quilómetros por hora naquele dia – abanavam o veleiro violentamente. Sozinha à mercê da tempestade, apenas acompanhada pelo seu cão, Lauriane via as outra embarcações – que também estavam amarradas na marina – a balançarem e a soltarem-se devido ao vento. «Antes de pedir ajuda», quando as tábuas da marina se começaram a soltar, «estava a pensar que primeiro tinha de me proteger, proteger o meu cão e o meu barco», contou.
A velejadora enviou vários pedidos de ajuda à Polícia Marítima, mas as respostas tardavam em chegar. Perante o desespero que estava a sentir, Lauriane decidiu accionar um pan-pan – uma chamada feita via rádio (VHF) que serve para pedir auxílio em situações de emergência que aconteçam a bordo de uma embarcação. Mas mais uma vez, não obteve qualquer resposta: «Quando vi que a tempestade estava a ficar cada vez mais forte, fiz uma ligação ‘pan-pan’ com o VHF, mas não recebi resposta de ninguém».
Foi nesse momento que deu conta de que estava «totalmente sozinha» na marina. «Senti-me abandonada e zangada com o incrível silêncio das autoridades da marina», descreveu ao SOL, acrescentando que se sentiu ansiosa por se encontrar sozinha na marina ao mesmo tempo que via os outros barcos e as barras da marina a voarem com o vento.
Perante a falta de respostas, a gaulesa decidiu gatinhar até à saída da marina. Contudo, quando lá chegou, as portas estavam bloqueadas devido ao corte de eletricidade provocado pela tempestade.
Sem maneira de se abrigar, a velejadora voltou para o seu barco, mas não baixou os braços: saiu do veleiro para o voltar a amarrar e também se amarrou a si e ao seu cão para ficarem mais protegidos.
«Lembro-me de que quando estava a arranjar a vela principal, pensar que fazia parte de uma produção cinematográfica americana, com alguém sozinho à frente dos elementos», expressou ao SOL. «Foi um pesadelo», completou.
Papiro, um skipper – tripulante de veleiro – contou ao Diário As Beiras que no dia seguinte à tempestade a francesa ainda «estava em estado de choque». E «afirmou-me que não foi avisada pela marina que havia um alerta vermelho de tempestade», disse.
Joaquim Sotto Maior, comandante do Porto da Figueira da Foz, desmente essa informação ao SOL: «A velejadora, tanto quanto nos foi transmitido, terá sido informada da tempestade, dado que cerca das 18h00, a sua embarcação foi transferida para um posto um pouco menos periférico e, portanto, menos exposto a eventual ondulação, tendo-lhe sido transmitida qual a razão» – a passagem da tempestade nas próximas horas. «Para além disso os velejadores têm normalmente acesso à informação meteorológica e avisos emitidos», rematou o responsável.
De acordo com o skipper, a velejadora só terá conseguido sair da marina horas depois de a tempestade ter passado, depois de alguém ter serrado a porta que ainda se encontrava bloqueada.
Na sua página do Facebook, Lauriane escreveu que foram «quatro horas de combate». A velejadora, na mesma publicação, diz ainda que era «impossível sair da marina pela porta» porque esta estava bloqueada devido à falta de eletricidade.
No final, afirma que o que importa é que ela e o seu cão estão «são e salvos».
Joaquim Sotto Maior, comandante do porto da Figueira da Foz, explicou ao SOL que as portas da marina estão equipadas com um sistema de baterias que estas continuem a funcionar «entre uma e duas horas» depois de eletricidade ser cortada, «pelo que se estranha que tal possa ter sucedido».
«Admite-se que possa ter ocorrido algum tipo de anomalia, dado terem ocorrido sucessivos cortes e retomas de energia num curto espaço de tempo», completou o responsável.
Esta questão já «está a ser investigada e eventualmente poderá ser introduzido algum tipo de melhoramento», adiantou.
Queixa-crime chega ao Ministério Público
A vítima já apresentou uma queixa-crime na Polícia Marítima. A informação foi confirmada ao SOL pela própria autoridade: «Confirma-se a apresentação de denúncia, no dia 15 de outubro de 2018, pela cidadã de nacionalidade francesa Lauriane Lemasson relativamente a factualidade ocorrida na marina do Porto da Figueira da Foz por ela reportada à noite do dia 13 de outubro».
A Polícia Marítima disse ainda que a queixa já foi remetida para o Ministério Público (MP).
Quanto aos pedidos de ajuda que Lauriane terá enviado à Polícia Marítima, o comando local da Polícia Marítima da Figueira da Foz afirmou que «não tem registo de pedido de auxílio da cidadã francesa em momento anterior ao da apresentação da denúncia».