Tancos. As armas não assinaladas

Na semana passada ficou a saber-se qual o material de Tancos que continua por recuperar e o que apareceu a mais. Esta espécie de ‘bónus’ está a gerar várias teses, inclusivamente a de que o roubo poderá ter tido maiores dimensões e que o que se conhece não passará da ponta de um iceberg. 

A investigação a Tancos está longe de chegar ao fim e o desfasamento entre o que desapareceu e o que foi encontrado na Chamusca, numa operação que a PJ acredita ter sido forjada pela PJM, está a gerar cada vez mais dúvidas. É que além de ter sido encontrado menos material do que o que desapareceu em Tancos, recuperou-se algum armamento que não constava da lista do roubo. Ao fim de muitos meses as teses continuam a ser muitas. Algumas dão conta de que o inventário do material que estava nos paióis estava incorreto e outras referem que o material que apareceu não corresponde totalmente ao que foi roubado – havendo mesmo quem no meio militar acredite que este aparecimento visou apenas encobrir um roubo que terá sido muito maior e que dentro e fora de portas manchou o nome de Portugal, pondo em causa a segurança nacional. A investigação, agora mais complexa porque investiga tanto o desaparecimento como o achamento, quer perceber tudo o que está em causa num caso que se joga em vários tabuleiros – político, militar e até diplomático – e tem vários interesses cruzados.

As listas do material roubado e do que apareceu três meses depois na Chamusca não deixam dúvidas de que há muito material militar que continua por recuperar, não se sabendo se estará dentro ou fora do território nacional. Segundo o Ministério Público, faltam pelo menos «1.450 munições de 9mm, um disparador de descompressão, duas granadas de gás lacrimogéneo, uma granada ofensiva, duas granadas ofensivas de corte para instrução, 20 cargas lineares de corte CCD20 e 15 cargas lineares de corte CCD30». Mas de acordo com uma das teses que circulam no meio militar pode ser muito maior a dimensão do roubo, dado que já parece certo que o relatório de inventário não era fiel.

Fontes militares, que preferem não ser identificadas, dizem mesmo que «é impossível saber-se ao certo que material foi roubado, pois o inventário existente em Tancos não merece confiança». O que a ser assim torna difícil que algum dia se saiba ao certo o que foi levado de Tancos.

Entre os que acreditam que o material que deu à costa na Chamusca não é o mesmo que desapareceu dos paóis de Tancos há ainda quem defenda que houve uma simulação da entrega do material para travar o furacão que se criou e que rapidamente chegou ao campo político. 

Responsáveis militares assumem discrepâncias 

Contactado pelo SOL, Marco António Costa, presidente da Comissão Parlamentar de Defesa, reiterou que durante as audições «alguns responsáveis militares expressaram a sua preocupação pela possível existência de discrepâncias entre o inventário e o que efetivamente estaria armazenado. A explicação era que algum material que às vezes saía para utilização não era utilizado e quando regressava não era registada a sua reentrada».

«E se temos falhas de inventário é impossível saber se o material desaparecido é efetivamente o que apareceu», reforçou Marco António Costa, salientando que é preocupante a «deficiência de registo das existências, bem como das entradas e saídas».

O deputado lembrou ainda que, apesar de haver correspondência entre o tipo de material que foi roubado e o que apareceu, não se trata de uma correspondência total: «Contrariamente ao que o Governo tem dito, infelizmente não foi tudo recuperado. E há material ainda em parte incerta». 

Questionado sobre todas as teses que circulam, o presidente da comissão de Defesa foi perentório: «Acho que deve haver uma procura de rigor porque a situação é muito grave, todos devemos ter um contributo sereno, mas rigoroso».

Inventários incorretos denotam falta de comando

Para o general Carlos Chaves, que assessorou Passos Coelho na área da Defesa, a existir um desfasamento entre o inventário e as existências trata-se de algo «inadmissível», porque o «inventário dos paióis tem de ser muito rigoroso». «Para mim, como militar com 46 anos de serviço, é inaceitável algum militar poder dizer que o inventário do material num qualquer paiol não estava correto. É inconcebível e revela uma falta de profissionalismo e de falta de comando total», acrescenta.

O militar interroga-se ainda sobre a veracidade do que se procura: «E se a base de partida não é sólida, não sei como é que se faz um relatório com o que desapareceu, já a lista do que apareceu é mais difícil que não corresponda à verdade, uma vez que o material foi encontrado, carregado e levado para uma base e foi inventariado. Resta saber se o material recebido pertence ao paiol de onde supostamente desapareceu material».

O SOL sabe que todo o material deverá estar sempre referenciado, sendo que algum deste material é etiquetado – contrariamente às armas, cujo registo está gravado na própria arma, nos explosivos ou nas velas o que conta é o número de unidades, uma vez que se não tiveram etiqueta não são identificáveis. 

O general Carlos Chaves diz ainda que se tem criado «a ideia de que há um descontrolo total no Exército», explicando que o que importa agora saber é «quem roubou e quem deixou roubar».