A onda azul não aconteceu. Ou, melhor, aconteceu pela metade, com os democratas a passarem a ter uma maioria confortável na Câmara dos Representantes. E com os republicanos a não só conseguirem aguentar a maioria no Senado como ainda a aumentarem, Donald Trump pôde falar em “grande vitória” republicana nas eleições intercalares desta terça-feira, permitindo-se até ignorar a perda de controlo na câmara baixa do Congresso dos Estados Unidos.
Sem moderar o tom, face aos resultados e ao fim de uma campanha eleitoral divisiva, o líder da Casa Branca permitiu-se dizer que os candidatos que seguiram o seu discurso “passaram muito bem” e que apesar da desvantagem republicana em termos de angariação de fundos e de “uma cobertura mediática, no mínimo, muito hostil”, os candidatos republicanos “superaram consideravelmente os precedentes históricos”.
Numa eleição intercalar em que se escolhiam todos os 435 lugares da Câmara dos Representantes, 35 dos 100 lugares no Senado e 40 governadores, os democratas conseguiram reconquistar a maioria na Câmara dos Representantes (com a contagem ainda a decorrer, tinham conseguido roubar 29 lugares aos republicanos, perdendo apenas três). No Senado, com menos assentos em disputa, a possibilidade dos democratas passarem a maioria era menor e o que se veio a verificar foi o aumento da vantagem republicana, com pelo menos mais dois lugares a juntar à maioria de 51 que tinham até agora.
Para Trump, foi “quase uma completa vitória” do seu partido, naquilo que classificou como “um grande dia, um dia incrível”. “O partido republicano desafiou a história e aumentou a nossa maioria no Senado, ao mesmo tempo que superava significativamente as expectativas na Câmara”, afirmou Trump, ontem, em conferência de imprensa.
Aqueles que “trabalharam comigo nesta eleição intercalar incrível, assumindo certas políticas e princípios, passaram muito bem. Aqueles que não fizeram isso, disseram adeus”, escreveu Trump no Twitter, na sua interpretação dos resultados. O presidente fez uma campanha intensa por alguns candidatos, participando em comícios e mantendo o seu eleitorado motivado, retirando o frutos desse empenho.
No entanto, se o presidente dos EUA garantiu a vitória para alguns candidatos, não deixa de ser certo que o seu discurso divisivo alimentou uma vaga de novos eleitores e candidatos, sobretudo mais jovens e mais à esquerda dentro do partido democrata, que conseguiram capitalizar nas urnas essa diferença. Daí o facto de se terem batido muitos recordes nesta eleição (ver texto ao lado), desde o maior número de mulheres eleitas para a Câmara dos Representantes, passando pela eleição pela primeira vez de muçulmanas e nativas americanas como congressistas.
Porque se Trump mobiliza eleitorado a seu favor, também mobiliza contra. “Ele pode ver agora que existe um segmento da América que está igualmente incentivado contra ele e é por isso que os democratas conquistaram a câmara”, referiu Frank Lutz, especialista republicano em sondagens, citado no site da “Time”.
Foi esse segmento da América, a dos subúrbios, da Costa Leste até ao Nevada, que votou massivamente nos candidatos democratas, mesmo em feudos mais republicanos. Beto O’Rourke, o candidato democrata a senador pelo Texas chegou a liderar a contagem dos resultados durante uma noite que deve ter sido das mais longas da vida de Ted Cruz, o senador que perdeu para Trump a corrida à nomeação presidencial em 2016. Cruz, que até fez as pazes com Trump durante a campanha para salvar o seu assento no Senado, acabou por se reeleger, mas O’Rourke, de 46 anos, sai desta eleição como uma estrela em ascensão entre os democratas.
O ex-presidente Barack Obama, que se empenhou na campanha, saudou, numa declaração, os candidatos democratas que conseguiram “competir em lugares” onde o partido não “era competitivo há muito tempo”, mostrando-se esperançado que este seja “o princípio do retorno aos valores que esperamos da nossa vida pública – honestidade, decência, compromisso”.
No entanto, feitas as contas, Trump acabou por não perder tanto quanto esperavam os democratas (no máximo deverá perder 30 lugares), sobretudo, não tanto como Obama em 2010 (63), nem como Bill Clinton em 1994 (52). O que explica que tenha havido sorrisos nos dois campos nestas eleições.