Don Alberto Gasperi era um emigrante italiano que se fixou em Lima, no Peru, nos anos 40. Lima la Fea, como lhe chamam. Ou mesmo Lima la Horrible. Acreditem que não é assim tão horrível. Até tem zonas de uma frescura banhada pelo Pacífico, em San Isidro, Miraflores ou Puebo Libre que suplicam por passeios demorados.
Gasperi era engenheiro de profissão mas acabou por aceitar um convite para trabalhar na Joelharia Camusso, desenhando peças que custavam os olhos da cara. Em 1959, recebeu uma encomenda especial. Teófilo Salina apresentou-se-lhe como mandatário do presidente da Confederação Sul Americana de Futebol (Conmebol), Formín Sorhueta. Pretendia uma taça. Um troféu que premiasse o vencedor da nova competição entre clubes: a Copa Libertadores da América.
Gasperi rodeou-se por 12 dos melhores funcionários da casa Camusso e deitou mãos à obra. Para quem tem como modelo a tão simplória como feiosa Taça dos Campeões Europeus (questão de gosto, claro está!), fez uma obra prima: 63 centímetros de prata esterlina com uma figura de bronze no topo representando um jogador no ato de chutar uma bola. Logo abaixo dessa figura, os dez brasões dos países que constituem a Conmebol e, no meio da barra da esfera, a inscrição: Campeonato de Campeones de Sudamérica. Com o tempo, tal como sucedeu na Europa, a ideia de campeão passou a ser bastante abastardada.
De início, o troféu de Gasperi seria definitivamente entregue ao clube que fosse capaz de o conquistar por três vezes consecutivas. Em 1970, já o Estudiantes, da Argentina, tinha arrecadado a taça. Foi preciso fazer outra. Ganhou um pedestal de madeira onde ficam afixadas placas com os nomes dos vencedores. Foi um ver se te avias: em 1974, era a vez de outro clube argentino, o Independiente, ficar com ela. Veio uma definitiva que já não fica na posse de ninguém. Ou melhor, fica mas apenas durante um ano. Ou mais se o vencedor se repetir. Desapareceu a alusão ao campeonato dos campeões: agora assinala somente Copa Libertadores.
E que libertadores são esses? Muitos. Todos os que, de uma maneira ou de outra, tiraram os países sul-americanos do jugo do colonialismo. Simon Bolívar, José de San Martín, Pedro I, Bernardo O’Higgins, José Gervasio Ortigas, por exemplo.
O divino negro
Há que reconhecer que só quando o Santos de Pelé surgiu estonteante de brilho no firmamento do futebol internacional é que a Copa Libertadores passou a receber verdadeira atenção. Isso foi na terceira edição, em 1962. As duas primeiras tinham sido conquistadas pelo Peñarol, do Uruguai. Em Portugal demos por isso graças a Taça Intercontinental que opôs o Benfica ao Peñarol. E daríamos bem mais depois daquela famosa exibição do divino negro no Estádio da Luz, provavelmente uma das mais extraordinárias da sua carreira.
A força do Santos tornou-se universal. A linha dianteira do que ficou conhecido como Balé Branco parecia uma letra de samba: Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe. As vitórias nas finais frente a Peñarol e Boca Juniors encantaram os amantes desse jogo que os ingleses tiveram a belíssima ideia de inventar. Entronizada como equipa circense, o Santos passou a dedicar-se sobretudo a excursões por todo o mundo em troca de chorudas comissões. Os títulos perderam importância na compita com as demonstrações de habilidades que não estavam ao alcance de mais ninguém. Foi preciso esperar até 2003 para que regressasse a uma final e até 2011 para que ganhasse a sua terceira Libertadores. Terceira e última até agora.
Este sábado, em La Bombonera, os grandes rivais de Buenos Aires, Boca Juniors e River Plate, disputam a primeira mão da final da 59.ª edição da Copa Libertadores. Curiosamente, afastaram clubes brasileiros nas meias-finais, Palmeiras e Grémio, respetivamente. Grémio que era o detentor do troféu que Gasperi imaginou. Estamos perante mais um reforço da superioridade dos clubes argentinos.
Esta será a 26.ª vitória argentina na Libertadores. O Brasil tem 18. O Uruguai 8. Colômbia e Paraguai 3. Chile e Equador, uma cada.
O Boca Juniors tem, igualmente, a oportunidade de igualar o Independiente em número de títulos: 7. Já o River Plate luta pela sua quarta copa. No meio da lista dos grandes vencedores: Independiente (7), Boca Juniors (6), Peñarol (5), Estudiantes (4), São Paulo, Grémio, River Plate e Santos (3), um nome surge orgulhoso e diferente – o do Olímpia, do Paraguai. Campeão em 1979, 1990 e 2002, atingiu a final por mais quatro vezes (1960, 1989, 1991, 2013), revelando um jeito especial para uma competição dominada pelos gigantes do continente. Mas este ano nada fez parar os colossos argentinos. Pior do que inimigos, são irmãos.