O presidente da junta de freguesia de Campolide, André Couto (PS), – próximo de Duarte Cordeiro – está a ser investigado pelo Ministério Público e pela Segurança Social por suspeitas de má gestão e várias ilegalidades alegadamente cometidas em mais do que uma Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), enquanto exercia cargos na direção.
Além do caso do Externato Educação Popular, revelado esta última semana pelo i, também na Fundação António Luís de Oliveira foram alegadamente cometidas várias irregularidades que apontam para má gestão. E em fevereiro de 2018 deu entrada no MP, no Instituto de Segurança Social e na Provedoria de Justiça, uma denúncia a relatar várias situações suspeitas. Desde então que o MP abriu um inquérito que está a ser conduzido pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, tendo sido já ouvidas várias testemunhas.
Este inquérito soma-se assim à investigação ao Externato Educação Popular que o MP confirmou estar em curso e que foi revelada esta semana pelo jornal i. A investigação arrancou depois de em julho de 2018 ter dado entrada uma denúncia de que descrevia uma teia de várias «ligações perigosas» entre funcionários da junta e do externato, a contratação de empresas com ligações a funcionários da junta, o pagamento encapotado de salários e a violação da lei com a adjudicação de ajustes diretos para a contratação de uma empresa para a realização de obras.
Também o Instituto da Segurança Social, que tutela todas as IPSS, confirmou que está em curso uma auditoria financeira na Educação Popular, sendo que ontem a escola foi visitada pelos inspetores da Segurança Social.
Para já ainda não foram constituídos arguidos na investigação, disse ao SOL fonte oficial do MP. De acordo com várias fontes ouvidas, André Couto é próximo do vice-presidente da Câmara de Lisboa, Duarte Cordeiro, e tem ligações à maçonaria. A página oficial do grupo municipal do PS diz ainda que o atual presidente da junta de Campolide é membro da Comissão Política da Concelhia do PS Lisboa, assim como coordenador da secção de Águas Livres do PS. O seu pai, Joaquim Couto da Silva, também do PS, é o presidente da Assembleia de Freguesia de Campolide.
Contactado pelo SOL, André Couto diz que a investigação do MP à Fundação em curso é fruto de no primeiro mandato, em 2015, ter pedido «uma auditoria externa aos mandatos anteriores, que revelou fortes indícios criminais».
A Fundação nasceu em 1921 de uma doação feita por um cidadão português chamado António Luís de Oliveira que em novo emigrou para o Brasil e mais tarde regressou e construiu a sua casa na zona de Campolide. Sem filhos, quando morreu deixou em testamento todo o seu património em Portugal e no Brasil ao Estado para que fosse criada uma instituição que recebesse crianças dos 3 aos 18 anos retiradas às famílias pelo tribunal.
Já o Externato Educação Popular foi criado em 1935 pela Congregação das Irmãs Amor de Deus e é composto por duas escolas: uma em Lisboa e outra no Estoril que são frequentadas por alunos desde o pré-escolar até ao 9.º ano.
Ligações dos funcionários da junta às IPSS
Os documentos das duas queixas que deram entrada no MP – a que o SOL teve acesso – denunciam que André Couto seguiu a mesma linha de ação nas duas IPSS.
Depois de ter assumido funções na direção das instituições, o presidente de Campolide atribuiu a funcionários da junta, também do PS, vários cargos nos órgãos sociais das duas IPSS. Além disso, entre a lista de associados das duas IPSS encontram-se vários funcionários da junta.
Na Fundação António Luís Oliveira – presidida por André Couto desde 2015 – encontra-se, por exemplo, Duarte Sapeira que tem o cargo de secretário. Em simultâneo, Duarte Sapeira foi tesoureiro na junta de Campolide, tendo os pelouros do Desporto, Juventude, Recreio e Tempos Livres. Além disso, Duarte Sapeira esteve também ligado à Associação Viver Campolide, criada por André Couto, contam várias fontes ao SOL.
Pela fundação passaram ainda Teresa Almeida como tesoureira e que é secretária na junta de Campolide, assim como Carlos Ramos, que foi presidente da Assembleia Geral e que na junta é o 1.º secretário da Assembleia de freguesia. Ambos são do Partido Socialista.
Agora, a presidente da Assembleia Geral é Joana Lopes que é secretária na junta de Campolide e é vogal na comissão executiva do externato da Educação Popular.
Há ainda o caso de Nuno Rocha, do PS, que é tesoureiro na Fundação António Luís Oliveira, já exerceu funções na junta de Campolide e é sócio-gerente da empresa de contabilidade Localgest, contratada pela Educação Popular através de uma avença de 615 euros mensais (com IVA). Nuno Rocha é ainda tesoureiro na junta de freguesia da Mina de Água (Amadora), cujo presidente é o seu pai, Joaquim Rocha, do PS.
Em causa está ainda Bruno Louro, que é tesoureiro na Junta de Campolide e que foi contratado pela Educação Popular como advogado, recebendo uma avença mensal de 675 euros, acrescidos de IVA.
Estes são alguns dos exemplos da teia de várias ligações «perigosas» entre os funcionários da junta e as duas instituições, que segundo as duas queixas entregues no MP são uma «constante».
Funcionários da junta entre sócios das IPSS
Na queixa relativa às irregularidades na Fundação pode ler-se que as assembleias da IPSS «passaram a ser feitas nas instalações da junta de freguesia», sendo que para as reuniões «não eram convocados todos os legíveis para o efeito conforme deveriam ser» e que era favorecido «o aparecimento, quando necessário, de elementos da junta no sentido de votarem e com isto terem votos favoráveis à aprovação do que entendiam querer passar num ato puro de controlar e influenciar todo o processo».
Prática também seguida no Externato Educação Popular, no qual, entre a lista de sócios, encontram-se 28 funcionários da junta, sendo a maioria dos associados. Isto num cenário em que os funcionários da junta não têm qualquer ligação ao externato e não têm filhos a estudar na escola e quando «tem sido barrada» a admissão de pais, encarregados de educação e funcionários. O presidente da associação de pais, por exemplo, «tenta ser sócio há dois anos e não é aceite», referem também os documentos entregues no MP.
Salários encapotados e má gestão
A lei impede que os órgãos sociais das IPSS sejam cargos remunerados. No entanto, o último relatório de contas da fundação revela que em 2017 André Couto recebeu uma remuneração enquanto colaborador no valor de 4.956,11 euros, a que se somaram 1.771,34 euros, pagos em 2016.
A denúncia aponta igualmente para indícios de uma «desastrosa gestão» por parte de André Couto, sendo que a Fundação «teve contas bancárias penhoradas e encargos muito elevados para regularizar a dívida ao condomínio» do edifício onde funciona.
Também no Externato Educação Popular uma das alegadas irregularidades passa pelo pagamento de ajudas de custo aos cinco membros da comissão executiva, eleita em julho de 2017. Os estatutos da Educação Popular não preveem o pagamento de qualquer remuneração mensal aos órgãos sociais do externato, nos quais se inclui a comissão executiva.
No entanto, os documentos que constam da denúncia entregue ao MP e ao Instituto da Segurança Social e a que o jornal i teve acesso, revelam que quatro meses depois de assumirem o cargo, em novembro de 2017, a direção em funções na altura no externato, aprovou em assembleia geral o pagamento mensal de 1.875 euros cujo valor seria para repartir pelos cinco membros da comissão executiva, para fazer face a despesas de deslocações. Contas feitas, no total seriam pagos 22.500 euros por ano à direção do externato, sendo que o «orçamento aprovado em 2017 não contemplava qualquer tipo de ajudas de custo», lê-se na queixa. E mesmo antes da aprovação em assembleia geral, desde agosto de 2017, «sem qualquer aprovação prévia a comissão executiva recebeu mensalmente em média 2.859 euros».
Valores que foram sendo pagos todos os meses, incluindo o correspondente aos dias em que o externato esteve encerrado ou durante o período de férias dos membros da direção.
A aprovação de todos estes pagamentos de ajudas de custo cabia ao tesoureiro, que não teve acesso a documentação, tendo sido validados pela presidente do externato, Ercília Monge, e pelo ex-vice-presidente, André Couto, de acordo com os documentos a que o jornal i teve acesso.
Questionado por aquele jornal, o ex-vice-presidente André Couto, defendeu que «aquilo que os estatutos não permitem são remunerações através de contratos de trabalho». O ex-vice-presidente explicou ainda que está previsto um «regime de exceção» para o pagamento de ajudas de custo, garantindo que «nada foi feito contra os estatutos» do externato e lembrando que os pagamentos foram aprovados em assembleia geral. «Nada foi feito à socapa», reforçou.
André Couto esclareceu ainda que o externato é composto por duas instituições (uma em Lisboa e outra no Estoril), tem 200 funcionários e é frequentado por 700 crianças do pré-escolar ao 9.º ano de escolaridade, sendo um «peso e volume de trabalho muito grande para cinco pessoas» assumirem os cargos «em regime de voluntariado». De acordo com o ex-vice-presidente do externato, os membros da comissão executiva estavam «a pagar para trabalhar» tendo em conta que «não tinham telemóvel, não tinham carro, não tinham computadores», sendo o pagamento das ajudas de custo a forma encontrada para pagar as despesas que tinham.
De acordo com o orçamento da Educação Popular, a que o jornal i teve acesso, em 2017 foram transferidos pela Segurança Social 729.266,72 euros e em 2018 mais 741.079,56 euros. Desde 2009/2010, o externato também recebe verbas do Ministério da Educação através de contratos simples para fazer face ao pagamento das mensalidades das famílias, cujo valor depende do rendimento anual do agregado familiar. O orçamento do externato revela que em 2017 foram transferidos 360 mil euros através dos contratos simples.
Na fundação o último relatório de contas revela que chegaram à instituição um total de mais de 630 mil euros em apoios e donativos de várias entidades, entre 2016 e 2017 – só a Segurança Social transferiu mais de 575 mil euros no mesmo período.
Ajuste direto ilegal
O externato terá violado a lei quando realizou um ajuste direto para a realização de uma obra cujo valor ficou acima dos 25 mil euros.
Entre agosto e novembro de 2017 foram passadas seis faturas à empresa de construção Carrilobras – um total de 35.597,85 euros, incluindo IVA, para a reconstrução do edifício que funcionava como antiga residência das Irmãs da Congregação Amor de Deus.
Os documentos referem ainda que a obra foi adjudicada à Carrilobras através de «ajuste direto», violando a lei, uma vez que ultrapassava o teto máximo.
O Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social (decreto-lei 172-A/2014) estipula que «a empreitada de obras de construção ou grande reparação pertencentes às instituições, devem observar o estabelecido no Código dos Contratos Públicos, com exceção das obras realizadas por administração direta até ao montante máximo de 25 mil euros», lê-se no artigo 23.º da lei. E o mesmo artigo acrescenta ainda que «o disposto no número anterior não se aplica às instituições que não recebam apoios financeiros públicos». O que não é o caso da Educação Popular, que recebe verba do Ministério da Educação e da Segurança Social.