Adnan Khashoggi. O milionário que ‘se portava de forma pouco ética por razões éticas’

Khashoggi não se chama apenas Jamal, chama-se também Adnan. O apelido está sob os holofotes desde o século passado, tudo porque o tio do jornalista saudita desaparecido no consulado turco, Adnan Khashoggi, era um dos maiores traficantes de armas do mundo. E dos homens mais ricos também.

Dinheiro, armas e propriedades, três palavras que podem ser reunidas numa só: Khashoggi. Este nome faz hoje parte das capas dos jornais, associado à morte de Jamal Khashoggi, o jornalista saudita morto nas instalações do consulado saudita na Turquia, mas a verdade é que no século passado Khashoggi não se chamava Jamal, mas sim Adnan, o tio do jornalista saudita cujo paradeiro do corpo ainda está por conhecer. Motivo? Adnan Khashoggi foi considerado um dos homens mais ricos do mundo na década de 70, com uma fortuna avaliada em mais de quatro mil milhões de dólares. O dinheiro incontável de Khashoggi foi feito, maioritariamente a partir da venda de armas para a monarquia saudita e também de outros negócios na Líbia, na Índia, no Iémen.

Na prática, Adnan Khashoggi funcionava como intermediário, ou como traficante, no negócio das armas. Facilitar o contacto entre o vendedor e o comprador para que o negócio se realizasse, era esta a sua função. A primeira negociação foi feita com David Stirling, o fundador da unidade de forças especiais SAS, e Khashoggi vendeu armas que foram utilizadas em 1963 em plena revolta dos nacionalistas árabes na então colónia britânica de Aden, que hoje é o Iémen. De todas as suas intervenções no mundo dos negócios de armamento, destaca-se o caso Irão-Contra, o lobby das armas. Um plano secreto multifacetado, em que os lucros da venda de armas para o Irão eram canalizados, por baixo da mesa, para rebeldes de direita na Nicarágua, que lutavam contra o Governo socialista no país. Em 1975, o empresário chegou mesmo a receber 45 milhões de dólares do Governo francês, por um negócio de tanques, e outros sete milhões do Reino Unido, por um acordo que envolvia a venda de helicópteros. Sobre este assunto, Khashoggi disse ao The Guardian: «Se alguém oferecer dinheiro a um Governo para o influenciar, trata-se de corrupção. Mas se alguém receber dinheiro [de um Governo] por serviços prestados, trata-se de comissão».

Original da Capadócia, a família Khashoggi não se resume a esta personagem, a história é ainda mais longa. O seu primo, Dodi Fayed, manteve uma relação amorosa com a princesa de Gales, Diana Spencer, que terminou de forma dramática num acidente de automóvel em Paris, no ano de 1997.

 

Iate milionário

Existe uma cidade em França que muitos conhecem sem nunca lá terem ido. Não há quem conheça a cidade e não a associe a um sítio paradisíaco cheio de glamour onde as estrelas se encontram. Mas Cannes já foi um lugar de encontros que por si só davam um verdadeiro filme. E o filme tem cenário: um iate. Cinema com 12 lugares, duas saunas, uma piscina, uma discoteca, um jacuzzi, um salão de jogos, 11 quartos e um lavatório em ouro. Mas a excentricidade não fica por aqui. Além disto, o iate tinha um hospital e uma morgue. Tudo por 80 milhões de dólares, foi quanto Khashoggi pagou pela excêntrica embarcação. Mas a história, como todas, tem um início e, naturalmente, um fim.

Uma das protagonistas poderia ser Jill Dodd, fundadora da marca Roxy. Em 1980, ainda respondia por Jill Peck, uma modelo de 21 anos que já aparecia em revistas de moda como a Marie Claire ou a icónica Vogue. Nesse ano, foi convidada para ir a uma festa em Cannes com a sua agente. Dançou com um homem que na altura lhe fez lembrar um amigo do seu pai e, quando deu por si, ele escrevia no braço que a amava. No dia seguinte, aceitou jantar com ele num iate que mais tarde seria digno de filme. Nabila, como se chamava, é o iate que aparece na saga 007: Nunca digas nunca e foi imortalizado numa canção dos Queen. E, como canta Freddy Mercury no primeiro verso, ‘Who said my party was all over?’. O famoso iate passou pelas mãos do sultão do Brunei, um estado soberano localizado no Sudeste Asiático, que o vendeu ao atual Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Mudou de dono, continente e nome – passou a chamar-se The Trump Princess. Mas quando na década de 90 o na altura empresário declarou falência devido à exploração dos casinos, a princesa de Trump foi parar às mãos de outro saudita. Até hoje, o Kingdom 5KR continua nas mãos do príncipe Alwaleed bin Talal.

Além do famoso iate, Adnan detinha ainda três jatos privados e doze propriedades em França, Espanha, Quénia e Estados Unidos. Em Nova Iorque chegou a comprar 16 apartamentos,  que destruiu na totalidade para construir um só. Cem limousines e um guarda-costas coreano treinado em artes marciais. Modéstia não entrava, por exemplo, nos aniversários de Khashoggi. Caviar, champanhe ilimitado e estrelas de Hollywood, como Brooke Shields e Sean Conery, um dos primeiros 007, eram presença assídua nas festas.

No entanto, a sua magnitude começou a perder força quando o reino saudita cortou o financiamento e alguns dos seus investimentos se revelaram desastrosos, como os negócios ilegais com a filipina Imelda Marcos, que resultaram na prisão de Khashoggi durante três meses. A fortuna foi encolhendo até à sua morte, no ano passado, em Londres. O tio de Jamal Khashoggi sofria da doença de Parkinson e no comunicado que anunciava a sua morte, escrito pela família, podia ler-se: «No seu trabalho sempre apoiou os interesses da sua família».