Tentar manter o equilíbrio num barco que balança não é fácil. E, dançar ainda menos o será. Na realidade, mesmo em terra firme, a vida revela-se, por vezes, um exercício de equilíbrio instável, como diz Natércia Freire: «Em estradas como ramos / oscilamos. E vamos / Convergentes, dispersas».
Ora, é curioso que esta inscrição, como tantas outras, nos faça pensar e nos leve a parar e, por momentos, refletir sobre o seu significado. Como diz Tolentino Mendonça: «Os nossos quotidianos deixam-se infiltrar assim por marcas de sabedoria efémera, que nos chegam de tantos modos: em grafitti, letreiros, cartazes modificados pelo tempo, lacunas, imagens a desintegrar-se, resíduos de textos, segmentos ocasionais de conversas. Isso que parece apenas um vestígio destinado ao apagamento, onde ele aliás já visivelmente trabalha, ainda é capaz de fixar, por momentos, sobre a superfície, um prego de luz».
São estes «pregos de luz» que chamam a minha atenção e me levam a estas breves reflexões. São estes pequenos apontamentos de sabedoria que me fazem parar, olhar e ver; ver realmente aquilo que outros querem dizer.
E esta frase, tão poética, dá-nos uma imagem clara da vida. Mostra-nos aquilo que fazemos e que, para alguns, implica mais malabarismos do que para outros, até porque, habitualmente, nos parece que a nossa vida é mais difícil ou mais fácil do que a dos outros, exatamente porque não somos nós a viver a vida com a qual comparamos a nossa.
Na realidade, todos temos de caminhar e, muitas vezes, de dançar em desequilíbrio, mas são esses desequilíbrios que tornam a vida interessante e que, muitas vezes, nos permitem ver outras perspetivas, para as quais, se caminhássemos sempre em frente, talvez não estivéssemos despertos.
A vida, com as suas muitas voltas, pode comparar-se com diversas imagens. Diz Magda Szabó, em A Porta: «Se Emerence acreditava em algum facto, era no Tempo. Na sua mitologia pessoal, o Tempo era a mó de um moinho eterno, cuja moega vazava os acontecimentos da vida no saco que cada um trazia».
Caminhar em frente permite-nos ver o horizonte, e orientarmo-nos por esse ponto dá-nos energia. Diz Fernando Pessoa: «O sonho é ver as formas invisíveis / Da distância imprecisa, e, com sensíveis / Movimentos da esperança e da vontade, / Buscar na linha fria do horizonte / A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte – / Os beijos merecidos da Verdade.» Mas, caminhar sempre em frente também nos impede de ver o que está a nosso lado, de ver as outras pessoas, o mundo, a vida tal como ela é. Só tendo o cuidado de nos desviarmos do rumo é que podemos ser surpreendidos e nos podemos maravilhar com o que não esperávamos ou com o que nem sequer alguma vez imagináramos que pudesse existir.
Há momentos na vida em que temos de parar e decidir. Como diz Jacinto Lucas Pires, em A Gargalhada de Augusto Reis: «Um dilema é uma oportunidade. Um momento em que, ao contrário do que acontece a maior parte do tempo, podemos realmente escolher. “Escolher”, no sentido próprio, em que opções diferentes darão lugar a caminhos diferentes».
A vida é, pois, uma permanente escolha, uma constante descoberta e um deslumbramento com o que nos rodeia, com o que o mundo provoca em nós e com o que em nós descobrimos, de força ou fraqueza, para enfrentar aquilo que não esperávamos ou que desconhecíamos. Dançar, com graça e estilo, nem sempre é fácil. Mas, como dizia Saint-Exupéry: «O homem descobre-se quando se mede com um obstáculo» que é capaz de ultrapassar. Mesmo que, muitas vezes, sós, tenhamos a sensação de ficar parados, a «falar pró boneco»…
Maria Eugénia Leitão