Um velho provérbio congolês diz que por mais longa que seja a noite, haverá seguramente um novo dia. Sabedoria antiga difícil de crer na República Democrática do Congo onde a noite parece nunca mais ter fim. Desde o princípio do ano, a cólera matou 857 pessoas, enquanto um novo surto de ébola já provocou a morte de 215 (entre 177 confirmadas e 38 prováveis), em 341 casos registados. No_Leste do país, confrontos entre rebeldes das Forças Democráticas Aliadas (ADF, na sigla em inglês) e soldados da força de estabilização da ONU, na quarta-feira,_resultaram na morte de oito capacetes azuis (sete do Malawi e um da Tanzânia). E tudo com uma eleição à porta, que pode vir a ser afetada.
Com mais um capacete azul desaparecido e dez feridos (a missão das Nações Unidas no país, MONUSCO, é composta por 17 mil efetivos), o secretário-geral da ONU, António Guterres, «apelou a todos os grupos armados que cessem as suas atividades desestabilizadoras, que continuam a aumentar o sofrimento da população e a complicar a resposta ao surto de ébola». Um apelo que dificilmente será ouvido pelas ADF, guerrilha originária do Uganda e que mantém uma guerra de baixa intensidade desde o final dos anos 1990.
O novo surto de ébola vai no quarto mês e a reação das equipas de saúde tem sido muito mais lenta desta vez por causa do conflito, acabando por transformar este no pior surto na história do país (foi na RD Congo, em Yambuku, que, em 1976, a doença foi detetada pela primeira vez).
As equipas de emergência veem-se constantemente bloqueadas pela guerrilha, apanhadas em trocas de tiros ou escorraçadas pela população, que desconfia de todos aqueles que estão relacionados com o governo, mesmo as equipas médicas. Uma conjugação de fatores negativos que atrasam consideravelmente a contenção da doença (que mata entre 25% e 90% dos infetados) e aumentam o potencial deste surto se transformar numa catástrofe internacional.
«Assistimos a um número crescente de casos em grandes centros populacionais como Beni e Butembo e uma resistência significativa das comunidades aos esforços de resposta», afirmou a representante especial do secretário-geral da ONU para a RD Congo, Leila Zerrougui.
«O risco de o surto se estender a outras províncias da RD Congo, assim como a países vizinhos, continua muito alto», escreve a Organização Mundial de Saúde (OMS) na sua última atualização. O surto está a afetar as províncias do nordeste do país (com epicentro no Kivu do Norte), fronteiras com o Uganda, Ruanda e Sudão do Sul e a OMS recomendou que as autoridades de saúde dos três países e do resto da RD_Congo estejam preparadas para responder à epidemia.
Todos estão conscientes que o clima de guerra na região, a alta densidade populacional e os obstáculos à atuação das equipas médicas poderão fazer com que se deixe de poder controlar a doença e esta se torne endémica. O alerta foi dado por Robert Redfield, diretor do Centro para Controlo de Doenças dos Estados Unidos.
Além de perturbar a resposta ao surto epidémico do ébola, a atividade da guerrilha poderá perturbar o escrutínio eleitoral marcado para 23 de dezembro. A ONU teme que impeça a chegada dos boletins às secções de voto e das populações até às mesas de voto.
«Será especialmente importante que o Governo tome medidas nas próximas semanas para garantir a segurança das eleições, especialmente assegurando a participação das mulheres, que são mais de 50% dos eleitores recenseados», refere Leila Zerrougui.
A referência às mulheres deriva da probabilidade de as ADF estarem a escolher as mulheres como alvo das suas ações, tendo em conta que nos últimos anos têm procurado alinhar as suas ações com as de outros grupos jihadistas. Há uma desproporção entre o número de pacientes confirmados e prováveis, com 60% do sexo feminino, que poderá ser resultado direto da guerrilha impedir as equipas médicas masculinas de assistir pacientes femininos.
Segundo um relatório recente do Grupo de Investigação do Congo da Universidade de Nova Iorque, as ADF_estão a aproximar-se da simbologia do Estado Islâmico e de outros grupos jihadistas africanos, como o Al-Shabab, na Somália, e o Boko Haram, na Nigéria. Em julho deste ano, a detenção do queniano Waleed Ahmed Zein, angariador de dinheiro para o Estado Islâmico e que terá conseguido verbas para as ADF, estabelece pela primeira vez uma relação direta da guerrilha ugandesa-congolesa com os jihadistas.