Nas redes sociais, os apelos para bloquear Paris no sábado estão a ser partilhados em grande número. O movimento de protesto francês conhecido pelo nome de “coletes amarelos” – por todos eles envergarem o colete refletor obrigatório em todas as viaturas automóveis – bloqueia estradas, portagens, fronteiras, obrigando à paragem forçada de milhares de veículos pesados. Só portugueses serão cerca de 15 mil camionistas imobilizados, de acordo com o presidente da Associação Nacional de Transportadoras Portuguesas, Márcio Lopes (ver entrevista ao lado).
Depois de uma mobilização de 290 mil pessoas no sábado, de 45 mil no domingo e de 27 mil na segunda-feira, o movimento continuava esta terça-feira com forte presença em muitas estradas francesas. Ontem, um motociclista morreu ao embater num camião que estava a fazer inversão de marcha para evitar um bloqueio na estrada, aumentando para dois mortos o balanço dos protestos, que também fizeram 528 feridos, entre eles 17 em estado grave (92 desses feridos são agentes das forças policiais, dois deles com ferimentos graves).
A situação levou o ministro do Interior a endurecer o tom e a desistir de qualquer vontade de diálogo, por causa daquilo a que Christophe Castaner chama de “radicalização” dos protestos. Para o ministro, era “insuportável” que uma pessoa tivesse morrido no sábado e que outra estivesse “entre a vida e a morte” – as declarações foram feitas antes de o motociclista falecer. O ministro falou na “agressividade” dos manifestantes que procuram, de forma “muito sistemática, o confronto” com as “forças de segurança”, bem como a “multiplicação de atos racistas”.
“Diálogo” tinha sido a primeira reação do presidente Emmanuel Macron face aos protestos, um diálogo que sempre pareceu tarefa difícil de executar. Principalmente porque muitas destas manifestações não foram convocadas oficialmente, com comunicação às autoridades. Na maioria, tratou-se de respostas a apelos de mobilização difundidos pelas redes sociais. “No sábado, só 10% das manifestações foram declaradas”, adiantou o ministro do Interior.
“A liberdade de expressão, de manifestação, é um direito fundamental, mas não dá autorização a que possamos, de forma livre, sem qualquer enquadramento legal, impedir a circulação nem entravar a vida comercial e a vida económica”, afirmou Castaner.
O ministro disse também que a mobilização das forças policiais para lidar com os protestos dos camionistas está a ter efeitos na sua capacidade para responder a outros assuntos. “Temos de ter em conta que a mobilização massiva das nossas forças de segurança tem também efeito na nossa capacidade de intervir noutros lugares do território”, acrescentou. Curiosamente, no sábado, dia de maior mobilização dos protestos, a polícia deteve quatro homens que, alegadamente, preparavam um atentado terrorista aproveitando o facto de as forças de segurança estarem ocupadas com outros assuntos.
As características destes protestos, a sua dimensão e capacidade de mobilização apanharam de surpresa mais do que o governo e as forças de segurança – toda a França. Sem serem convocados por estruturas partidárias ou sindicais, surgiram a partir das redes sociais em todo o território francês. As exigências destas milícias populares são, por isso, difusas, só reconhecidas entre si pelo colete amarelo e por uma necessidade de fazer ouvir a sua voz em protesto contra o poder político. São aparentemente compostas por gente das classes média e média baixa que protesta, por exemplo, contra os altos impostos ou a a má qualidade dos serviços públicos.
Outro dos problemas para o governo de Emmanuel Macron é a ausência de líderes com quem dialogar e sobre o que dialogar. Sem o colete refletor seria difícil discernir quem são os manifestantes e sem lideranças torna-se impossível o estabelecimento de conversações com vista a ouvir as reivindicações e responder-lhes.
No epicentro está a subida do preço dos combustíveis e o reflexo que isso tem no custo de vida, sobretudo daquela camada da população que está habituada a contar bem contadinho o ordenado para chegar ao fim do mês.
Nesse aspeto faz lembrar os protestos inorgânicos, convocados pela internet, que agitaram São Paulo e várias outras cidades do Brasil por causa da subida do preço dos transportes em 2013. O preço do bilhete de autocarro foi apenas a fagulha que transformou o combustível da insatisfação da população em movimentos populares de rua que foram ganhando dimensão e ajudaram ao impeachment de Dilma Rousseff em 2016 e culminaram na eleição de Jair Bolsonaro para presidente.
Será que em França se está a passar algo do género? Macron foi eleito o ano passado como presidente, em parte porque se tinha candidatado como alguém que vinha de fora do establishment partidário. Um ano e uns meses depois, a popularidade de Macron e do governo está em queda livre. Segundo a última sondagem do Ifop, publicada na última edição do “Journal du Dimanche”, a popularidade do presidente desceu mais quatro pontos em novembro, estando agora nos 25%.
“A responsabilidade do governo” na atual situação é “enorme”, garantia ontem a Confederação Geral do Trabalho, tentando apanhar o barco dos protestos, para os quais não contribuiu, mas de que pretende obter dividendos. Para isso convocou uma manifestação em defesa do poder de compra para 1 de dezembro, apelando a todos os cidadãos para saírem às ruas em defesa do salário mínimo de 1800 euros (é de 1498,47 euros neste momento), subsídio de transporte pago pelas empresas, IVA de 5,5% para os “produtos de primeira necessidade” e impostos “justos, tendo em conta os rendimentos”.